O disfarçado desprezo à educação Há vagas para todos, mas sem a universalização da qualidade Em nenhum momento os abolicionistas pensaram incluir um segundo artigo na Lei Áurea: “Fica instituído um sistema nacional de educação onde estudarão os filhos dos ex-escravizados e dos seus ex-proprietários”.
As raríssimas vagas no Colégio Pedro II, no Rio, continuaram ocupadas pelos filhos dos nobres ou indicados pelo próprio imperador.
Ao longo de século e meio, as forças políticas, mesmo as mais progressistas, pouco fizeram para corrigir a lacuna.
📊 Fatos e Dados
As poucas vagas nas escolas públicas de qualidade — quase todas federais — se mantiveram reservadas para os filhos de pessoas influentes.
As pressões democratizantes levaram à troca do critério de prestígio político por concurso para selecionar os alunos conforme o conhecimento que traziam de casa.
Foi um disfarce: ao adotar o critério do mérito manteve-se a seleção beneficiando os filhos de pais instruídos e com recursos.
🔍 Detalhes Importantes
Certamente, é mais democrático escolher os melhores do que privilegiar os apadrinhados, mas a verdadeira democracia estaria em ampliar o número de vagas até universalizar a matrícula em escolas com a mesma qualidade das federais.
A continuação das pressões levou à adoção do sorteio para metade das vagas, reservando a outra parte para concurso.
Para disfarçar o desprezo à educação universal, substituiu-se o mérito pela loteria, mas manteve-se a recusa de ampliar o número de vagas para todos.
🌍 Contexto e Relevância
A política educacional continuou sem considerar o gesto democrático de garantir vagas em escolas de qualidade para todas as crianças, dando chance de desenvolver talentos no interior da escola de qualidade, com equidade.
“As greves sacrificam os alunos que não podem pagar por uma escola onde não haja greve” Nos últimos anos, para os que não passam no concurso de ingresso ou não têm sorte na loteria, passou-se a oferecer vaga para todos, mas desprezou-se a universalização da qualidade, mantendo o abismo da desigualdade, o que leva ao crescente número de reprovações e consequente abandono escolar, especialmente entre os filhos das camadas mais pobres.
Há vagas para todos, mas raros permanecem e aprendem o que é necessário para o mundo contemporâneo.
No lugar de ensino em horário integral ou de dar atenção especial aos não aprovados, adota-se o explícito desprezo à educação que caracteriza a chamada promoção automática.
Promover sem conhecimento, em vez de cuidar daqueles que não aprendem na idade certa, é um gesto de inépcia com a educação de qualidade, disfarçado de empatia por aqueles com dificuldades para aprender.
Também é uma forma de discriminação social, porque os ricos podem pagar para cuidar de suas deficiências, sem adotar promoção automática.
Outra forma de preconceito social e desprezo pela educação universal está nas constantes e longas greves de professores da rede pública, jamais na rede privada, com o argumento de melhorar, mesmo sabendo-se que as paralisações degradam a qualidade.
Essa perda é disfarçada com a ideia de reposição das aulas, tratando o aprendizado como uma linha de produção industrial, como se o conteúdo de ensino pudesse ser reposto sem considerar a psicologia do aluno para o aprendizado no momento certo.
Ignora-se que essas greves sacrificam justamente os alunos que não podem pagar por uma escola onde não haja greve.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960
Fonte: veja
05/09/2025 11:06