Trump assina decreto que oficializa tarifas de 50% ao Brasil.
E agora?
Crédito: Larissa Burchard/Estadão Oficializada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na quarta-feira, 30, a tarifa de 50% imposta aos produtos brasileiros trouxe uma longa lista de exceções à taxação, o que tirou o pior cenário de cena — ao menos por ora.
“O Brasil acabou sendo beneficiado, mas novamente sem muito sentido econômico”, escreve Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
“Não parece haver um racional muito claro sobre o que foi cortado e o que foi deixado, a não ser uma vaga ideia de alternativas de importação para alguns desses produtos.” Na avaliação de analistas, o governo Trump traz um cenário de bastante incerteza para o comércio global.
“As regras multilaterais são ignoradas, e os acordos de comércio não significam liberalização comercial, mas sim administração de comércio”, afirma Sandra Rios, economista e diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento.
Com um cenário global mais adverso, os especialistas apontam que chegou a hora de o Brasil encampar uma abertura da economia e realizar reformas que melhorem a produtividade do País, o que contribuiria para colocar a economia brasileira mais próxima à do nível das nações ricas.
“Uma alternativa viável seria iniciar um processo de abertura comercial e aprofundar as reformas estruturais que promovam estabilidade macroeconômica e ganhos de produtividade.
A economia brasileira apresenta um grau de proteção que restringe sua integração às cadeias globais de valor”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.
A seguir leia a análise de especialistas convidados pelo Estadão.
Leia as análises
Lia Valls Pereira: Trump coloca os países numa situação muito complexa
Nesse primeiro momento, o que chama a atenção é o teor ainda muito político.
No caso brasileiro, continuam muito fortes as justificativas políticas dentro da decisão tomada em relação às tarifas.
Chama a atenção também que, dentro da ordem executiva, os Estados Unidos colocam que qualquer medida de retaliação do Brasil será respondida da mesma forma.
Ou seja, com tarifas também mais altas.
Pelo fato de Trump ter dado sete dias, é ver se isso significa alguma janela de oportunidade para uma negociação.
Os EUA já incluíram muitos produtos que eram do interesse brasileiro (na lista de exceção), embora alguns importantes não estejam incluídos, como café, calçados, frutas e cacau.
Há uma margem para o Brasil pedir.
O que o Brasil pode oferecer em termos de retaliação é difícil.
A probabilidade é que o País acabe numa situação pior.
Isso tem de ser pensado com muito cuidado.
Agora, é ver, por meio de negociações com os próprios setores da economia brasileira, se algum tipo de concessão interessaria aos americanos.
No fundo, o que Trump está fazendo não é protecionismo.
Ele está fazendo sanções de caráter comercial aos países, porque ele ignora qualquer compromisso que tinha em relação às tarifas consolidadas pela Organização Mundial do Comércio e coloca os países, ainda mais o Brasil, com pequeníssima possibilidade de retaliação, numa situação muito complexa.
A situação do Brasil é mais complicada pelo fato de Trump sempre insistir no tema político — como ele também faz com a África do Sul.
Esse é o pior cenário que se possa imaginar.
Os negociadores brasileiros têm de continuar tentando uma negociação mais técnica com os representantes do comércio americano.
Professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora associada à Fundação Getulio Vargas (FVG/Ibre) Sandra Polónia Rios: Brasil precisa de uma reforma da política comercial que inclua a revisão das tarifas de importação, a facilitação do comércio O Brasil enfrenta um contexto internacional em rápida deterioração.
O País não aproveitou as décadas em que o comércio internacional crescia a taxas elevadas, movido pela formação de cadeias globais ou regionais de valor, e era regido por regras multilaterais e por acordos preferenciais de comércio.
Durante esse período, a economia brasileira manteve-se fechada, com elevadas barreiras às importações, e ficou praticamente à margem da rede de acordos preferenciais de comércio.
O resultado foi a estagnação da produtividade e a perda de participação da indústria brasileira no Produto Interno Bruto (PIB) e nas exportações.
O mundo está migrando para um cenário dominado por políticas comerciais que priorizam preocupações geopolíticas e de segurança.
Com a chegada do presidente Trump ao poder, as regras multilaterais são ignoradas e os acordos de comércio não significam liberalização comercial, mas sim administração de comércio.
Em abril, no “Liberation Day”, o Brasil foi classificado no grupo dos países que receberiam a menor alíquota — de 10%.
Nesta configuração, havia a expectativa de que o País poderia ser um ganhador líquido das políticas tarifárias de Trump.
Quatro meses depois, o quadro mudou radicalmente.
Os produtos brasileiros estão sujeitos a tarifas de 50%, concorrendo com exportadores de países que receberam tarifas menores ou que negociaram acordos comerciais com o governo norte-americano.
Além disso, produtores brasileiros que exportam para países da União Europeia, do Reino Unido ou da Ásia terão agora de concorrer com empresas americanas que ganharam acesso preferencial a esses mercados nos acordos bilaterais anunciados pelo governo norte-americano.
Diante dessa rápida e radical mudança de contexto, cabe traçar estratégias que possam fomentar um salto de produtividade para mitigar os impactos negativos do novo contexto sobre o comércio exterior e a economia brasileira.
Uma negociação bilateral com os Estados Unidos, que busque reduzir as tarifas impostas ao Brasil, deve ser parte incontornável do cardápio de iniciativas adotadas pelo País.
Entretanto, a reação brasileira terá de ser muito mais ambiciosa, se o País desejar enfrentar o cenário internacional adverso.
O Brasil precisa, mais do que nunca, de um choque de produtividade que confira ganhos de competitividade à indústria, aos serviços e mesmo à agricultura, cuja produtividade apresentou expressivo crescimento durante anos, mas vem estagnando no período recente.
Para isso, uma reforma da política comercial que inclua a revisão das tarifas de importação, a facilitação do comércio e a aceleração da negociação de acordos preferenciais de comércio com países com mercados relevantes é crucial.
*Economista e diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento Leia também Sergio Vale: Brasil acabou sendo beneficiado, mas novamente sem muito sentido econômico A versão século 19 de Trump tem sido mantida.
Ele vê as tarifas de importação como um instrumento de melhora do déficit comercial americano e de aumento de arrecadação.
Não vai mudar estruturalmente nenhuma das duas contas, mas Trump não se importa muito com a matemática econômica.
Seu ativismo tarifário é quase por ser um dos poucos instrumentos que ele tem à mão para manobrar com certa flexibilidade.
📊 Informação Complementar
Mas até aqui há limites.
A indústria americana tem tentado trazer algum mínimo de razoabilidade para uma discussão tarifária já de partida bizarra.
Vemos isso muitas vezes nas exceções que o governo americano acaba precisando conceder para não machucar sua economia.
O Brasil acabou sendo beneficiado, mas novamente sem muito sentido econômico.
Muito do que os EUA não produzem e precisam importar, como café e alguns tipos de fruta, seguiram taxados, sem falar nas carnes.
Não parece haver um racional muito claro sobre o que foi cortado e o que foi deixado, a não ser uma vaga ideia de alternativas de importação para alguns desses produtos.
Mas também nada do que tem sido feito nessa seara tem um mínimo de racionalidade, não será o caso de buscar isso agora.
De certa forma, Trump retrocedeu ainda mais de sua persona de século 19 e mimetiza Maria Antonieta agora, sugerindo brioches à população americana — no caso, qualquer coisa no lugar do café.
Mas, dado que Trump nada conseguirá de efetivo em relação à conta comercial nos próximos anos, veremos ainda esse ativismo tarifário voltar.
Trump é garantia de quatro anos de choques.
Algo que vemos no curto prazo em economia terá em Trump a garantia de um paradoxal choque permanente que durará um mandato.
Isso quer dizer que voltaremos a ver Trump mexer nas tarifas contra o Brasil e contra o resto do mundo ainda algumas vezes.
A suposta vitória que Trump alardeia na questão tarifária é uma vitória de Pirro que nada entrega e afastará ainda mais o mundo de comercializar com os americanos, que se tornam, cada vez mais, parceiros não confiáveis.
*É economista-chefe da MB Associados Solange Srour: Alternativa viável seria iniciar um processo de abertura comercial e aprofundar as reformas estruturais A imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos representa um desafio que vai muito além do aspecto comercial.
Mais do que uma adversidade para o setor exportador, a forma como reagirmos pode ser um divisor de águas para a inserção do Brasil no mercado internacional.
Neste contexto, é fundamental que o País atue com pragmatismo e visão estratégica.
Reações precipitadas podem agravar os custos econômicos e, mais do que isso, comprometer os avanços institucionais conquistados nos últimos anos.
Deveríamos evitar qualquer retaliação direta.
Embora a legislação brasileira permita a adoção de contramedidas, estas tendem a ser ineficazes e potencialmente danosas.
O Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, não exerce influência suficiente sobre o comércio e os fluxos financeiros globais para gerar impactos significativos sobre a economia americana.
O fato é que o resultado de uma retaliação direta pode ir além de uma retração no comércio de bens e serviços, atingindo também o fluxo de capitais e investimentos, o que seria especialmente preocupante diante da deterioração da conta corrente.
Nos últimos 12 meses, o País acumula um déficit externo superior ao volume de investimento estrangeiro direto, um sinal de vulnerabilidade crescente.
Em relação às estratégias que podem ser adotadas, dada nossa escassa poupança externa — diferentemente da Europa e do Japão —, não podemos prometer ampliar investimentos brasileiros nos Estados Unidos.
Uma alternativa viável seria iniciar um processo de abertura comercial e aprofundar as reformas estruturais que promovam estabilidade macroeconômica e ganhos de produtividade.
A economia brasileira apresenta um grau de proteção que restringe sua integração às cadeias globais de valor.
Será importante oferecer apoio pontual e direcionado aos setores mais afetados pelas novas tarifas.
Vale destacar que, caso haja apoio via crédito, este deve ser transitório, evitando-se a criação de dependências permanentes e distorções alocativas — algo bastante comum em nossa experiência dos últimos anos.
Por fim, o Brasil deve reafirmar seu compromisso com o multilateralismo e com uma diplomacia econômica equilibrada, evitando fortalecer exclusivamente o Brics, sob o risco de fomentar um isolamento ideológico.
Não podemos fechar pontes com outros parceiros prioritários; ao contrário, devemos buscar parcerias multilaterais sólidas.
*É diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management
Fonte: estadao
31/07/2025 09:39