Estados adotam medidas por conta própria para socorrer empresas afetadas por tarifaço de Trump No Paraná, governo estadual anunciou pacote com liberação de créditos do ICMS e estuda novas linhas de financiamento a exportadores.
Crédito: Daniel Weterman/Estadão
Quem acompanha o noticiário internacional com atenção logo percebe um padrão em Donald Trump: o presidente americano não busca acordos – ele negocia manchetes.
Trump tem um longo histórico de anunciar números astronômicos em acordos comerciais – uma estratégia que ele mesmo já descreveu, em “A Arte da Negociação”, de “hipérbole verídica” (truthful hyperbole), uma “forma inocente de exagero” usada como tática promocional.
A consequência imediata dessa estratégia é que, na sua presidência, boa parte desses anúncios nunca alcançam o mundo real.
E muitos deles não fazem qualquer sentido.
Por exemplo: em 2017, Trump escolheu a Arábia Saudita como destino da sua primeira viagem internacional.
E em Riade, anunciou um pacote colossal de acordo de defesa, avaliado em US$ 450 bilhões, que incluía vendas de tanques, navios de combate e sistemas de defesa antimísseis.
Num primeiro momento, Trump prometeu que o acordo geraria 40 mil empregos nos Estados Unidos.
Mas pouco depois, aumentou a estimativa para “500 a 600 mil empregos” – e então, para “um milhão”.
💥 Como estadao Afeta o Cotidiano
Nada disso alcançou o mundo real.
Em seu primeiro mandato, entre 2017 e 2020, as exportações totais de bens e serviços dos Estados Unidos à Arábia Saudita – considerando todos os setores da economia – somaram US$ 92 bilhões.
Apenas uma fração disso correspondeu a vendas efetivas do setor de defesa.
A cifra extravagante de US$ 450 bilhões jamais fez sentido.
Mas as “hipérboles verídicas” permaneceram.
Ainda em 2017, Trump promoveu com estardalhaço o plano da taiwanesa Foxconn de construir uma enorme fábrica em Wisconsin – um investimento de US$ 10 bilhões que criaria 13 mil empregos nos Estados Unidos.
Trump chegou a chamar o projeto de “oitava maravilha do mundo”.
Nada foi construído em seu governo.
E em 2021, quando Trump saiu da presidência, a Foxconn revisou o investimento para apenas US$ 672 milhões, e a meta de empregos para 1.454 vagas.
Até hoje a fábrica prometida não saiu do papel.
Assim que foi eleito, Trump também alardeou um compromisso de Jack Ma, fundador do Alibaba, criar 1 milhão de empregos nos Estados Unidos.
Mas em 2018, o bilionário chinês recuou da promessa.
Os empregos nunca se materializaram.
Há inúmeros exemplos como o de Ma, de empresas privadas prometendo investimentos irreais nos Estados Unidos apenas para cair na graça do presidente americano.
Mas as maiores hipérboles vêm das relações de estado.
Por exemplo: durante a sua visita à China em 2017, Trump e Xi Jinping anunciaram com imenso alarde a assinatura de 30 acordos comerciais entre americanos e chineses na ordem de US$ 250 bilhões.
O número foi amplamente divulgado como um recorde.
Mas muitos dos acordos não eram juridicamente vinculantes, jamais saíram do papel ou já faziam parte de planos estabelecidos por governos anteriores.
Era tudo, mais uma vez, um grande teatro.
A estratégia da “hipérbole verídica” apareceu em inúmeros anúncios do primeiro governo Trump.
E insiste em aparecer no segundo.
Em maio desse ano, Trump voltou a escolher a Arábia Saudita como destino da primeira viagem internacional de seu segundo mandato.
E no Oriente Médio, anunciou US$ 5,1 trilhões de investimento de Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos.
O PIB somado de Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos é de US$ 1,94 trilhão.
A promessa é flagrantemente irreal.
Ainda em maio, Trump disse que, em seus primeiros meses, havia conseguido US$ 10 trilhões em acordos de investimento de nações estrangeiras.
O valor é equivalente a 1/3 do PIB dos Estados Unidos – igualmente absurdo.
Na semana passada, Trump anunciou um acordo com o Japão que prevê investimentos de US$ 550 bilhões nos Estados Unidos.
Internamente, o Japão fala de US$ 5 a 11 bilhões em investimento real – de 1 a 2% do que Trump anuncia.
US$ 550 bilhões é equivalente a 14% do PIB japonês.
📊 Informação Complementar
Nesse domingo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fechou um acordo com Trump que inclui a promessa de investir US$ 600 bilhões em recursos da União Europeia nos Estados Unidos.
A promessa desempenhou um papel fundamental na facilitação do acordo.
O problema é que a própria União Europeia admite internamente que não tem como garantir esse investimento.
Esse dinheiro “viria” de empresas privadas, que o bloco não controla.
E não há qualquer comprometimento real por esses valores.
O fato é que grande parte dos acordos alardeados por Trump não se concretizam ou rendem muito menos do que o prometido.
E em muitos casos, não passam de reapresentação de planos antigos.
Por exemplo: em fevereiro desse ano, Trump suspendeu a implementação de novas tarifas contra o Canadá após uma conversa com o então primeiro-ministro Justin Trudeau.
Na ocasião, Trudeau prometeu uma série de medidas para melhorar a segurança da fronteira do Canadá com os Estados Unidos – o que foi rapidamente interpretado como uma grande vitória política do presidente americano.
O problema é que as promessas do governo canadense já haviam sido estabelecidas em 2024, quando Biden estava na Casa Branca.
Também em fevereiro, Trump anunciou a suspensão das novas tarifas contra o México.
A decisão ocorreu após uma reunião em que a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, prometeu direcionar 10 mil integrantes da Guarda Nacional Mexicana para proteger a fronteira com os Estados Unidos.
Trump já havia feito o mesmo acordo com o México em 2019.
O governo mexicano também já havia acordado com Biden, em 2021, a manutenção de 10 mil guardas na fronteira.
Não houve qualquer mudança substancial na política de segurança de fronteira do México, apesar do anúncio ter sido vendido como uma grande vitória do presidente americano – uma prova da superioridade de seu estilo de negociação.
Saiba mais
Donald Trump tem um padrão bem estabelecido de utilizar anúncios falsos e hiperbólicos de acordos e compromissos como um instrumento de promoção pessoal e retórica política.
Trump busca manchetes com grandes números porque trata a política externa como um produto do marketing pessoal, a sua grande especialidade.
E é por isso que o governo brasileiro deve estabelecer qualquer negociação com a Casa Branca entendendo que muitos dos anúncios feitos pelo presidente americano não demandam respostas técnicas, mas simbólicas.
Na prática, é Trump quem cede em troca de promessas vagas.
Sob Trump, a aparência de um acordo importa mais que a sua execução.
É por isso que a melhor estratégia para as autoridades brasileiras enfrentarem a pressão da Casa Branca é oferecer a sua própria “hipérbole verídica” (por exemplo, anunciando protocolos de intenção não-vinculantes de investimento em infraestrutura ou defesa com os Estados Unidos, ainda que com valores irreais) e usar o jogo midiático a seu favor, sabendo que Trump valoriza mais a imagem pública da vitória do que a substância de qualquer política pública construída em portas fechadas.
Enquanto Trump mede o sucesso por cifras irreais, governos que entendem esse jogo de vaidade conquistam uma imensa vantagem sobre a sua presidência.
O que Trump busca é encenação.
É a pós-verdade, estúpido.
Fonte: estadao
29/07/2025 16:33