O número de brasileiros com mais de 60 anos de idade ocupados no mercado de trabalho deu um salto e cresceu quase 70% nos últimos 12 anos.
O avanço da chamada “geração prateada” na ativa é resultado do fato de as pessoas estarem vivendo mais.
Também o aumento do custo de vida, especialmente nos grandes centros, obriga os 60+ a buscar outra fonte de renda, além da aposentadoria, para bancar as despesas.
Em 2012, havia no País 5,1 milhões de brasileiros ocupados com mais de 60 anos de idade.
Em 2024, esse número havia subido para 8,6 milhões.
São 3,5 milhões a mais de pessoas nessa faixa etária na ativa, ou seja, um aumento de 68,9%.
Os dados são de um estudo feito pela economista e pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), Janaína Feijó.
O recorte foi extraído da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Como houve um aumento da expectativa de vida e esse aumento veio com qualidade, naturalmente essas pessoas vão desejar ficar mais tempo no mercado de trabalho”, diz Janaína.
🔍 Detalhes Importantes
Em 1980, o brasileiro vivia, em média 62,6 anos, idade que subiu para 74,9 anos em 2013 e para 76,4 anos, em 2023.
A pesquisadora diz ainda que o custo de vida elevado, especialmente para essa faixa etária, esgota a renda.
A geração 60+ precisa de plano de saúde, que geralmente é mais caro para os idosos, além do gasto com remédios de uso contínuo.
“Muitas vezes a aposentadoria não é suficiente e é preciso complementar a renda”, diz a economista.
Índices de preços apontam esse descolamento entre a inflação dos idosos e da população em geral.
O Índice de Preços ao Consumidor — Terceira Idade (IPC-3i) da FGV/Ibre, que mede inflação dos 60+, acumulado em 12 meses até junho de 2025 — o último dado disponível — atingiu 4,40%.
No mesmo período, a inflação para todas as faixas etárias, medida pelo IPC apurado também pela FGV-Ibre, acumulou alta de 4,23%.
É uma diferença de 0,17 ponto porcentual.
Aposentada há sete anos, Maria Joselita Machado da Silva, de 67 anos, continuou trabalhando como diarista.
O motivo é que o benefício de um salário mínimo que recebe da Previdência Social não é suficiente para bancar suas despesas.
“No passado, imaginava que aos 60 anos e com os filhos formados, estaria aposentada (de fato).
Só que jamais imaginaria que o mundo seria desse jeito”, diz ela.
Nos últimos tempos, Maria Joselita reduziu a frequência das diárias do serviço de faxina que presta, de quatro vezes na semana para uma vez a cada dois meses, porque decidiu investir em uma nova profissão.
Começou a frequentar um curso gratuito de eletricista, oferecido pelo Instituto Bueno Neto, da incorporadora do mesmo nome, em parceria com o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).
Quando terminar o curso, Maria Joselita pretende fazer bicos como eletricista e sonha até em se empregar em uma construtora, com carteira assinada.
“Meu objetivo é financeiro, quero ter o meu dinheirinho para viajar.” Ela diz que sempre gostou do trabalho na construção civil.
No passado, chegou a fazer reforma da casa, mas por necessidade.
A disposição dos 60+ de começar em uma nova profissão e de continuar ou voltar para o mercado de trabalho é nítida.
Dos 170 alunos de cursos voltados para a construção civil que passaram pela instituição desde o início deste ano, por exemplo, 30% são 60+, segundo Jaynna de Souza, assistente social do instituto.
Também na Catho, marketplace que conecta candidatos e empresas, por exemplo, a oferta de currículos cadastrados dos 60+ para vagas formais cresceu neste ano mais do que a média para todas as idades.
De janeiro a julho, a plataforma recebeu 6.966 currículos de 60+, volume 42,7% maior em relação ao mesmo período do ano passado.
Enquanto isso, a média geral de currículos cadastrados na plataforma para todas as idades avançou 39,6%.
Escassez de mão de obra “Foi um salto grande, porque estamos olhando um período curto, de um ano para o outro”, diz Patrícia Suzuki, diretora de recursos humanos do grupo Redabor Brasil, dono da Catho.
Além do fato de as pessoas estarem envelhecendo saudáveis e do aperto financeiro por conta da alta do custo de vida, Patrícia observa que essa população, que no passado era “aposentável”, está preenchendo vagas em setores nos quais a mão de obra está mais escassa.
O estudo da FGV mostra, com números, que o avanço dos ocupados 60+ ficou concentrado em 2024 em duas categorias: “trabalhadores qualificados, operários e artesãos da construção, das mecânicas e afins”, com participação de 21,20%, segmento no qual Maria Joselita pleiteia uma vaga, e “trabalhadores dos serviços, vendedores dos comércios e mercados”, com uma fatia de 26,75% Desde março, Solange Verotti, de 61 anos, por exemplo, está empregada na rede de supermercados Hirota.
Atualmente, o setor de supermercados é um dos que mais enfrentam falta de mão de obra.
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Solange voltou a ter carteira assinada após trabalhar por 12 anos como cuidadora de idosos, onde tirava R$ 2,6 mil por mês.
Como atendente de frente de caixa na loja do Ipiranga, zona Sul da cidade, ela ganha R$ 1,92 mil.
“Meu objetivo hoje é estabilidade.” Isto é, ter salário todo mês, plano de saúde, férias, décimo terceiro.
Dentro de 11 meses Solange se aposenta.
“Pretendo continuar trabalhando, não vou poder viver só da aposentadoria.” Na rede de supermercados Hirota, onde Solange trabalha, 79 dos 2,3 mil funcionários, alocados em 180 lojas, têm entre 60 e 75 anos de idade.
Em quase todas as funções, há alguém dessa faixa etária, diz o diretor da rede, Helio Freddi.
📊 Informação Complementar
“Ter uma força jovem e gente mais experiente, apostamos nessa química.”
Na operação brasileira da gigante francesa Sodexo, que presta serviços de alimentação e facilities, por exemplo, 7% dos 43 mil funcionários são 60+.
Entre 2020 e 2025, o número de empregados dessa faixa etária cresceu 89% na companhia.
Precarização Apesar de cada vez mais companhias de grande e médio porte terem uma política voltada para admissão formal de profissionais mais velhos, a maior parte desses trabalhadores está na informalidade.
Esse é um dos principais indicadores da precarização dos 60+ no mercado de trabalho, segundo Janaína, da FGV.
De acordo com o estudo da economista, feito com base na PNAD, no ano passado, 53,8% dos 60+ ocupados estavam na informalidade.
É uma marca muito acima da média nacional da informalidade da ocupação no período, de 38,6%.
Também é maior comparada à taxa de informalidade das demais faixas etárias.
“De cada 10 pessoas de 60 anos ou mais, 5 ou mais estão na informalidade, essa é uma taxa elevadíssima”, afirma Janaína.
Esses trabalhadores não têm carteira de trabalho assinada nem registro como Microempreendedor Individual (MEI), observa.
O desdobramento da inserção precária dos idosos no mercado de trabalho, por meio da informalidade, fica nítido na remuneração, mostra o estudo.
No ano passado, a renda média dos idosos que atuavam no setor informal era de R$ 2,21 mil ou 40% do que ganhava, em média, os 60+ que estavam em empregos formais (R$ 5.476).
A escolaridade exerce, segundo a economista, forte influência sobre esse cenário de precarização.
Entre os idosos com até o ensino fundamental completo, a taxa de informalidade atinge 68,5%.
Já entre os mais escolarizados, esse índice cai para 27,5%.
Essa disparidade, de acordo com o estudo, também aparece no rendimento, quando se leva em conta a escolaridade.
Trabalhadores 60+ com, no máximo, ensino fundamental completo recebiam ao final do ano passado, em média, R$ 2,69 mil em empregos formais, enquanto aqueles com o mesmo nível de escolaridade em vínculos informais, R$ 1,47 mil.
“O nível de escolaridade que uma pessoa atinge aos 60 anos é fundamental para determinar o padrão salarial”, diz Janaína.
Preconceito?
Apesar de muito se falar que a mistura de profissionais jovens com os mais idosos traz benefícios tanto para as empresas como para trabalhadores, o que se vê, na prática, é que há muitas barreiras a serem rompidas.
Pesquisa feita pela Catho sobre etarismo em março do ano passado com 1.488 candidatos e 307 representantes de empresas mostrou que 61% das companhias não têm programa de inclusão para profissionais acima dos 50 anos em seus quadros e 40% dos gestores demonstraram resistência em contratar ou desenvolver esses profissionais.
Do lado dos candidatos idosos, 69% acham que perderam algumas oportunidades de emprego devido à idade e 55% já sentiram que suas habilidades foram subestimadas no ambiente corporativo ou em entrevistas.
“A gente percebe um movimento muito tímido de empresas que já olham para essa questão do etarismo de maneira planejada, com programas específicos de inclusão para essa população”, diz Patrícia Suzuki, diretora de recursos humanos do grupo Redabor Brasil, dono da Catho.
O preconceito que existe em relação aos profissionais 60+ precisa ser rompido, diz a executiva.
“As organizações têm de trabalhar a cultura para valorizar, de fato, o conhecimento, a experiência desses profissionais com aqueles que estão iniciando a carreira, a fim de que as empresas consigam tirar o melhor resultado.”
Fonte: estadao
18/08/2025 01:03