Consternação e expectativa de que o bom senso prevaleça, mas sobretudo que o Brasil assuma uma postura realista diante do novo cenário geopolítico que o envolve.
O rápido estremecimento das relações entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos – uma escalada iniciada pela gestão de Donald Trump – levou de roldão a esperança dos militares de que a crise não atingiria as boas relações entre os militares dos dois países.
Na manhã de quarta-feira, quando a decisão do Ministério da Defesa de cancelar todos os exercícios militares conjuntos com forças estrangeiras no Brasil em 2025 ainda não havia sido anunciada, o Estado-Maior do Exército (EME) disparara telefonemas para os oficiais generais que servem, atualmente, nos Estados Unidos.
O primeiro foi o general Maurício Vieira Gama, o adido que a Força Terrestre mantém em Washington.
Em seguida, foi a vez de o general Flávio Moreira Matias, que ocupa um posto no US Southern Command, o Comando Sul dos EUA.
Ambos garantiram que tudo estava tranquilo; não haveria nenhum desdobramento desde que os americanos cancelaram um exercício previsto para ser feito com a Força Aérea Brasileira.
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Mas, como se sabe, não há seguro contra a história; não há apólice que nos proteja de infortúnios, mesmo quando o comandante do Exército, o general Tomás Miguel Ribeiro de Paiva, preparava-se para proclamar que sua espada não tem partido, o que ocorreria no dia seguinte, na solenidade do Dia do Soldado, em Brasília.
Sua intenção era mostrar que “institucionalidade” estava preservada em meio aos contínuos abalos políticos.
Na noite anterior, a Polícia Federal concluíra o inquérito sobre a tentativa de Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo de obstruíram o processo no Supremo Tribunal Federal (STF), aliando-se aos interesses empresariais de Trump para submeter a economia do País a um colapso que pudesse pôr a nação de joelhos diante dos interesses da família.
Tudo demonstrava que a escalada dos EUA contra o Brasil tinha muito mais um aspecto político, não obedeceria, portanto, ao tradicional pragmatismo e racionalidade econômica que guiaram durante anos as ações da diplomacia americana.
Era uma ação para solapar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva com custos menores do que o envio de uma frota para a foz do Amazônia ou para o Rio.
Na quinta-feira, veio a primeira reação brasileira aos humores de Washington, ainda que disfarçada de contenção de gastos em meio a um déficit crescente do setor público: estavam canceladas a parte internacional da Operação Formosa, do Corpo de Fuzileiros Navais, e a Operação Core, do Exército, que se realizaria na caatinga.
Manter o Exército distante da efervescência política e evitar que seja tragado pela crise interna e pela externa enquanto espera sensibilizar as lideranças nacionais de que o silêncio não pode significar despreparo, dependência e insuficiência de recursos é o objetivo não só da Força Terrestre, mas também da FAB e da Marinha.
É por isso e de olho na sensibilidade da opinião pública, que os oficiais generais acreditam ter chegado a hora de discutir novos investimentos na Defesa.
E querem aproveitar o fato de que, pela primeira vez, uma pesquisa de opinião – a Genial/Quaest divulgada no dia 20 – mostrou que 5% dos brasileiros estão preocupados com a possibilidade de uma guerra envolver o País.
E isso na mesma semana em que os EUA enviam uma força expedicionária para atuar nas proximidades da Venezuela com 4 mil fuzileiros navais embarcados.
Tudo parece confirmar antigos temores.
O mundo cada vez mais se distancia de Joseph Nye Jr e de suas elucubrações sobre o soft power e se aproxima de relações internacionais pautadas pelo realismo ofensivo de John J.
Mearsheimer, para quem nenhum Estado pode ter certeza de que os outros vão se abster de usar suas capacidades militares ofensivas.
Já há na 7.ª Seção do Estado-Maior do Exército planos que repensam a interdependência excessiva da Força Terrestre com os EUA.
Trata-se de um problema complexo, porque todos os fabricantes de material bélico do Ocidente dependem de peças e de conjuntos americanos.
Exemplo disso, segundo um oficial explicou à coluna, são os rádios dos carros de combate e blindados brasileiros.
O Brasil optou por equipar seus veículos com os rádios Falcon, da Harris, uma empresa americana.
Quando decidiu pela compra dos blindados italianos Centauros, produzidos pelo consórcio Iveco-Oto Melara, os novos blindados tiveram de ser equipados com o mesmo aparelho para poderem “conversar” com as demais carros do Exército.
Para que essa dependência fosse quebrada seria preciso o País investir, como ocorreu quando se viu diante da necessidade de contar com mísseis anticarro e decidiu adotar o Max 1.2 AC e sua família, produzida pela brasileira Siatt, para equipar a Força.
No caso dos rádios, também existe opção nacional.
Ela foi construída pela Imbel e poderia estar operacional caso as lideranças políticas ouvissem os temores revelados pela pesquisa Genial/Quaest e ordenassem as encomendas na velocidade e na quantidade necessárias.
E a renovação dos blindados do Exército representam um dos caminhos dos que, dentro da Força terrestre, rejeitam cair nos braços da China, mas pensam que o Ocidente não se resume aos EUA.
As boas relações com governos europeus e empresas, como a italiana Iveco e a alemã Rheinmetall seriam prova disso.
Ampliar as parcerias com países como Turquia, Suécia e França seria uma opção em momento em que o mundo se rearma?
Mas esses fabricantes estarão nos próximos anos ocupados com seus governos e seus aliados europeus.
O problema estaria mais no imediato do que no futuro.
A Marinha do Brasil vive drama semelhante, mas está mais confortável em razão da escolha de suas parcerias na Europa.
No caso do Prosub, foi na França que a Força Naval foi buscar sua nova frota de submarinos: quatro com propulsão convencional e um nuclear.
A parceria com as tropas anfíbias francesas cresce a cada dia.
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Já não é mais apenas a Diretoria Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM) que pretende levar adiante o Prosub e transformar o Complexo de Itaguaí em uma Embraer do mar.
O comando da Força Naval espera apoio do BNDES para que, após o término da construção dos submarinos convencionais da classe Scorpène, o País construa e venda outros para países de seu entorno estratégico.
Mais.
A Marinha sonha com um segundo submarino nuclear convencionalmente armado, o que daria à Armada um poder de dissuasão incontestável no Atlântico Sul – o primeiro, o Álvaro Alberto, deve estar concluído em 2033.
E deve fechar em setembro a compra dos navios anfíbios ingleses Bulwark e Albion, em uma parceria do Ministério da Defesa com o Ministério da Integração Regional – é que as embarcações poderão ser usadas também em missões humanitárias.
Além disso, a Força está desenvolvendo mais um produto da família do míssil Mansup; além do novo modelo antinavio, com alcance de até 200 quilômetros, a Força planeja uma versão mar-ar, o MarSup.
Nada disso, porém, deve significar que o País pretende jogar pela janela instrumentos como o Foreign Military Sales (FMS), que permitiu adquirir nos Estados Unidos materiais como os novos helicópteros Black Hawk, do Exército.
Aumentar a autonomia na Defesa é um processo custoso, mas necessário diante da variação de humor de um aliado que, apesar de uma relação com 200 anos de história, mostra-se instável.
O Brasil deve saber, segundo os militares ouvidos pela coluna, como lidar com os EUA, um país ávido por terras raras e por energia para a inteligência artificial.
E buscar saídas em conjunto com seus parceiros da América do Sul, onde ele é um ator relevante.
Fonte: estadao
25/08/2025 10:43