Cúpula expõe contradições do Brics, mas agente externo dá algum sentido ao grupo
Confira análise do repórter Felipe Frazão sobre a Cúpula do Brics, no Rio de Janeiro.
Crédito: Felipe Frazão/Estadão, AFP e AP Video Hub
O retorno de Donald Trump à Casa Branca teve um efeito inesperado: dar novo fôlego ao Brics.
O presidente americano, com sua retórica errática, tarifas punitivas, ameaças contra o grupo e disposição de interferir na política interna de países do bloco — acima de todos, Brasil e África do Sul — reforçou a necessidade de diversificar parcerias e reduzir a dependência excessiva de Washington.
Enquanto os antecessores de Trump praticamente ignoraram o grupo, os ataques frequentes do atual presidente americano representam, paradoxalmente, um elemento unificador para o Brics.
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Até na Índia, que vinha estreitando os laços com os EUA ao longo das últimas décadas, as tarifas-surpresa de Trump reforçaram a percepção de que é arriscado depender demais de um aliado tão volátil, levando Nova Délhi a valorizar mais a estratégia de multialinhamento como uma espécie de seguro geopolítico.
Esse movimento poderia, em teoria, abrir espaço para o bloco avançar.
Com a expansão recente, que incluiu Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Indonésia, o Brics passou a reunir mais da metade da população mundial e a responder por uma parcela cada vez maior do PIB global.
A lógica parece clara: quanto maior o desgaste dos EUA junto a países emergentes, maior a utilidade do Brics como plataforma de cooperação.
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As limitações do Brics
A realidade, porém, é mais complexa.
O bloco tem potencial limitado para agir de forma coordenada — justamente quando o cenário externo lhe oferece oportunidades raras.
Em abril, pela primeira vez, uma reunião de chanceleres do Brics terminou sem comunicado conjunto.
Na cúpula de julho, no Rio de Janeiro, metade dos líderes não compareceu pessoalmente.
A diversidade de interesses — ampliada com a entrada de novos membros — torna difícil um posicionamento unificado em temas sensíveis.
Rússia e Irã enxergam o Brics como instrumento para contestar e confrontar o Ocidente; Brasil, Índia e Indonésia preferem preservar pontes com Washington e Bruxelas.
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Disputas internas, como a resistência de Egito e Etiópia a apoiar a candidatura sul-africana a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mostram como rivalidades regionais se sobrepõem a agendas comuns.
A própria expansão do grupo, imposta por Pequim e Moscou à revelia do Brasil e da Índia, também dilui sua coesão.
A categoria de “parceiros do Brics”, criada para acomodar países como Vietnã e Belarus, revela informalidade e incerteza quanto às regras de engajamento.
Riad, por exemplo, mantém a ambiguidade sobre se aceitará o convite para ser membro pleno, usando-o como carta de barganha nas negociações com Washington.
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Visões equivocadas
Diante disso, duas visões dominam o debate sobre o Brics— ambas equivocadas.
A primeira, que o considera irrelevante por causa das divisões internas, ignora que a simples existência do bloco já aumenta o poder de barganha de seus integrantes e cria espaços de cooperação concretos, seja no âmbito comercial, seja na área diplomática.
Independentemente de qualquer convicção ideológica, é preciso reconhecer que, do ponto de vista econômico e político, a Ásia será cada vez mais importante para o Brasil, e o país precisa se preparar para um mundo mais centrado naquele continente; e o Brics pode ajudar nesse sentido.
A segunda visão, que o posiciona como embrião de uma nova ordem mundial, ignora ou subestima os grandes obstáculos para transformar afinidades parciais em coordenação estratégica duradoura — e menospreza o fato de que o Ocidente continuará relevante no século 21.
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Crédito: Cláudio da Luz/Estadão
A verdade está no meio-termo.
É um fórum útil, sobretudo em tempos de incerteza, mas limitado por contradições internas e pela falta de mecanismos institucionais robustos.
Trump, com sua política externa transacional e punitiva, acaba funcionando como combustível para o discurso e a coesão pontual do grupo.
Mas dificilmente o Brics aproveitará plenamente essa “janela de oportunidade”.
Para o Brasil, isso exige evitar a tentação de uma visão “tudo ou nada”.
Participar ativamente do Brics é importante, mas não pode ser o eixo exclusivo da política externa.
É preciso fortalecer simultaneamente os laços com União Europeia, Japão, México, vizinhos sul-americanos, o mundo árabe e outros parceiros — e investir em contenção de danos na relação com os EUA, que continuará sendo um parceiro crucial para o Brasil, independentemente da atual turbulência na relação bilateral.
Em um cenário internacional fragmentado e volátil, a aposta mais segura para Brasília continua sendo o multialinhamento: diversificar parcerias, maximizar a autonomia e evitar cair em alinhamentos automáticos, sejam eles com Washington, sejam com Pequim.
A diplomacia brasileira não deve se deixar levar nem por entusiasmos excessivos com o potencial do Brics nem por ceticismos radicais.
Fonte: estadao
10/08/2025 18:30