De cabeça nas panelas
Nada é mais infalível que atacar de chef de cozinha com os amigos
Cursos de gastronomia estão em alta.
Depois da pandemia, as pessoas cozinham muito mais em casa que antes (sem falar no valor dos menus-degustação…).
Antes, o hábito de forrar o estômago na casa alheia restringia-se a pizza e churrasco.
Hoje, há quem prepare até requintados cardápios orientais.
Eu sempre disse, e repito, que com a arte da culinária se conquistam elogios mais rapidamente, inclusive mais sinceros que com qualquer outra.
Se você escreve um livro, às vezes é preciso recorrer a ameaças para que algum amigo leia.
📌 Pontos Principais
Se compõe uma música, tem de suportar os amigos se remexendo nas cadeiras enquanto você apresenta sua sinfonia genial.
Cozinhar, não.
Todo mundo quer comer, ainda mais de graça.
Se tiver um vinho dos bons para acompanhar, melhor ainda.
Na dúvida, faça um curso de gastronomia rápido: paellas, por exemplo.
Todo mundo foge se você convidar para uma discussão filosófica.
Para degustar uma paella, jamais.
Basta convidar para encher a casa de uma porção de gente, e ainda haverá os ofendidos que não foram chamados.
Alguém se ofende por não ter sido convidado para um debate sobre Descartes ou Schopenhauer?
Como eu disse, cozinha oriental também está na moda: aprenda a cortar salmão e atum, sirva com hashis e shoyu e prepare-se, modestamente, para os aplausos.
Digo por mim mesmo.
Fiz um curso rápido de culinária japonesa que há anos é meu passaporte para a alegria.
Também fiz outro, em poucas aulas, de risotos.
A vantagem é que o risoto pode ser de qualquer sabor.
Dá para contentar carnívoros e vegetarianos.
Tem três segredos: ingredientes duros no começo do cozimento do arroz, os médios durante e os outros, como camarões pré-cozidos e queijo, no final.
Depois é só perguntar simpaticamente, enquanto raspam os pratos: “Mas vocês gostaram?
Meeessmo?”.
“Todo mundo foge se você convidar para uma discussão filosófica.
Para degustar uma paella, jamais”
Lembre-se bem: um cozinheiro (que até prefere ser chamado de chef) não se exibe.
Os camarões, filés com cogumelos e outros clássicos se exibirão por você.
Um segredo que sempre dá certo é oferecer, de sobremesa, um prato da vovó.
Sim, uma sobremesa antiga que quase ninguém faz, mas não dá tanto trabalho, como manjar branco.
Só com muita segurança se atreva a uma pavlova, que exige muito mais.
De comer, todo mundo gosta.
De quadros abstratos, não.
Ou de sua última canção romântica, Deus que nos perdoe!
O bom do elogio é quando você não precisa fisgá-lo.
📊 Informação Complementar
Depois de devorar um prato cheio, ele vem naturalmente.
Você só precisa dizer: “Que é isso, gente?
É tão siiiimmmmples”.
A cada refeição você vai encher a casa de amigos, e também será convidado para outros menus.
Comer é gregário.
As pessoas gostam de se encontrar em torno de uma mesa cheia, de um vinho.
Só não seja o chato do pedaço, tipo aquele que fala mal de carne num churrasco.
Quem é vegano é vegano, quem é carnívoro é carnívoro e quem é guloso é guloso.
Já tentei até ser macrobiótico (dieta à base de arroz integral) quando era moda.
Hoje mudei.
Sou do tipo que devora um boi.
E ainda rói os ossos.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957
Fonte: veja
17/08/2025 16:22