O Ministério Público da Bahia (MP-BA) emitiu uma recomendação para que hospitais de Guanambi cessem a exigência de boletim de ocorrência (BO) ou decisão judicial para a realização de abortos legais em vítimas de violência sexual. A medida foi assinada pelo promotor de Justiça Francisco de Freitas Júnior, da 3ª Promotoria de Justiça de Guanambi, e publicada no Diário da Justiça Eletrônico nesta segunda-feira (17).
A recomendação tem como alvo os diretores gerais e clínicos do Hospital Regional de Guanambi e do Hospital Nova Aliança, estabelecimentos que, segundo o MP, condicionam o acesso ao aborto legal à apresentação de documentos não exigidos pela legislação vigente.
O promotor ressaltou que a prática impõe mais obstáculos às vítimas, além de ferir tratados internacionais assinados pelo Brasil sobre o direito à saúde e dignidade das mulheres.
Segundo o documento, além de garantir a dispensa do BO, há o reforço para os hospitais manterem sigilo absoluto sobre a identidade das vítimas e os documentos gerados durante os procedimentos, para evitar exposição e novas violências.
Ainda conforme a recomendação, o intuito principal é garantir que jovens e mulheres vítimas de violência sexual consigam ter uma maior acessibilidade ao procedimento legal dignamente. Além disso, a recomendação se baseia em notas técnicas do Ministério Público Federal (MPF) e do próprio MP-BA, que já se manifestaram contra exigências desse tipo de requisito.
O MP-BA determinou que os diretores gerais e clínicos dos hospitais respondam, em até cinco dias, sobre o cumprimento da recomendação. O documento também foi encaminhado a diversas entidades, incluindo o Conselho Tutelar, a Vara da Infância e Juventude e a Delegacia Territorial de Guanambi.
VIOLÊNCIA SEXUAL NA BAHIA
A iniciativa chega após a Bahia registrar cerca de 775.785 pessoas de 18 anos ou mais de idade, que foram vítimas de violência sexual em algum momento da vida. O dado da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicaram ainda que os números representam 7,0% da população.
Conforme o levantamento, 554.480 mulheres foram vítimas de violência sexual. O grupo foi a maior vítima do crime com 9,4%. Já cerca de 221.305 homens sofreram a violência, número que representa 4,2% dos casos. Já no Brasil, conforme a PNS, foram obtidos 9.356.982 casos do tipo, tendo 7.489.328 mulheres como alvo e 1.867.654 homens vítimas.
Outros números apontados na decisão do MP mostram que, em 2016, 51% das vítimas de estupro tinham menos de 13 anos. Em 30% dos casos, o acusado de cometer a agressão era um familiar próximo, como pai ou padrasto. Em um total de 78% dos casos em que o agressor era conhecido, o crime ocorreu na casa da vítima.
Em nota enviada, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou que a “diretoria do Hospital Geral de Guanambi esclarece não haver exigência de BO como documento obrigatório para realização de procedimentos médicos”.
Segundo a pasta, os colaboradores do equipamento hospitalar aconselham os familiares das vítimas a registrarem os crimes na polícia. No entanto, o ato fica a critério dos pacientes e sua família.
“Os profissionais da unidade apenas aconselham os familiares a realizarem registro de BO quando há situação de violência, ficando a critério da paciente ou familiares a formalização do documento, ou não”, disse o órgão. “O hospital está comprometido a esclarecer as pacientes seus direitos diante destas situações para que nenhum mal-entendido aconteça e as exponham em situação de maior vulnerabilidade”, conclui a Sesab.
A reportagem procurou o Hospital Nova Aliança, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.