BRASÍLIA – O Ministério das Comunicações determinou, em maio, a cassação da licença de radiodifusão da Fundação Cultural e Assistencial Água Viva, sediada no Amapá.
A medida atinge diretamente adversários locais do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que indicou Frederico de Siqueira Filho para o comando da pasta.
Os operadores da emissora, batizada de Forte FM, a utilizam para criticar aliados do senador e dar apoio a rivais dele no Estado.
Segundo o ministério, há uso irregular da outorga para “proselitismo político”.
Apesar da punição em âmbito administrativo, a entidade mantém a programação no ar, enquanto a Justiça não efetiva a decisão.
O controlador da rádio é o ex-deputado federal Valdenor Guedes, derrotado por Alcolumbre na eleição para senador em 2022 e aliado do prefeito de Macapá, Antônio Furlan (MDB).
No processo em que tenta reverter a sanção, ele aponta para tentativa de censura e cita uma sentença anterior que considerou as ações do ministério contra a Forte FM “um entrave não apenas à livre manifestação do pensamento, mas também à veiculação de informações relevantes para a coletividade”.
Procurado, o Ministério das Comunicações afirmou que “a emissora foi flagrada em fiscalizações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) executando diversas vezes sem permissão a programação de rádio comercial, como publicidade privada, entretenimento e conteúdos religiosos”.
Também destacou que o processo seguiu todos os ritos previstos, com direito ao contraditório e à ampla defesa.
A pasta alega ainda que “em nenhum momento a decisão teve relação com um suposto proselitismo político”.
No processo sobre a rádio há, no entanto, referência ao uso político da emissora.
Já Alcolumbre disse, por meio de sua assessoria, que confia na responsabilidade dos órgãos competentes pela análise desses processos e “ressalta que as decisões administrativas são pautadas em critérios técnicos e legais, de responsabilidade exclusiva de seus dirigentes e órgãos de fiscalização, sem qualquer participação ou interferência parlamentar”.
“Na condição de presidente do Senado e do Congresso Nacional, o senador dedica-se integralmente às responsabilidades institucionais que o cargo exige.
Qualquer interpretação ao contrário disso não corresponde à verdade”, diz a nota.
A capital do Amapá é uma ilha de poder da oposição ao grupo do presidente do Senado, do qual faz parte o governador Clécio Luís Vilhena Vieira (Solidariedade).
No ano passado, Josiel Alcolumbre, irmão do senador, teve as pretensões de se eleger ao Executivo municipal frustradas ainda na fase de pré-campanha.
Ele desistiu de concorrer após pesquisas apontarem para a alta popularidade de Furlan, reconduzido ao cargo em primeiro turno com 85% dos votos.
Josiel foi procurado, mas não se manifestou.
Segundo a Coordenação de Fiscalização e Monitoramento de Serviços de Radiodifusão do Ministério das Comunicações, a Forte FM se valeu de uma licença restrita a conteúdos de cunho educativo para levar ao ar programação comercial, anúncios publicitários e “proselitismo político” em favor do prefeito.
Uma nota técnica anexada ao processo afirma que os noticiários Forte Notícias e Fala Comunidade, transmitidos diariamente das 7h às 9h e das 17h às 19h, contém “destaque ao prefeito municipal, com exaltações pessoais e realizações”, em vez de informes jornalísticos.
Para sustentar a alegação, o órgão anexou ao processo a transcrição de trecho da programação em que um locutor elogia Furlan ao divulgar a inauguração de uma ponte pelo poder público local.
“Tem político que se esconde do povo.
Ele ganha as eleições, se esconde.
Mas ele (Furlan), não.
Ele peita os caras, ele vai para cima, corre para dentro.
Eu acho isso importante, porque, quando o prefeito ou governador sai, num domingo de manhã, para fiscalizar as obras, qual é o recado que dá para a população?
Eu tô aqui, eu quero o melhor para você”, diz o apresentador em trecho do programa.
O restante da grade da Forte FM abarca músicas, cultos evangélicos e um programa realizado em parceria com a Faculdade de Ciências da Amazônia, instituição privada de ensino.
Nada disso, segundo o Ministério das Comunicações, se qualifica como programação educativa, definida pela pasta como “transmissão de aulas, conferências, palestras e debates”.
A ordem de cassação só foi possível justamente devido ao entendimento de que a programação inteira fere os limites legais da outorga concedida à fundação.
Do contrário, haveria apenas reparos pontuais por meio de advertências.
“Em havendo apenas pequenos pontos da programação que não sejam compatíveis com a característica suprema do serviço, há que se atuar pontualmente em tais trechos.
Contudo, no presente caso, a apuração demonstrou que não se trata de excertos da programação em desacordo com a definição do serviço, e sim do conjunto da programação, não tendo sido encontrado sequer um programa de cunho educativo”, disse a pasta no procedimento de fiscalização.
Valdenor Guedes considera ser alvo de perseguição e atribui a decisão a interesses do partido de Alcolumbre, de quem diz não ser rival.
“É o União Brasil que está fazendo isso.
Nós somos a única rádio que dá algum espaço para o prefeito.
O problema é que, aqui no Amapá, ninguém pode dar notícia.
Eu ia até mandar uma carta para o presidente Lula para não permitir mais que nenhum partido tome conta do Ministério das Comunicações.” Apesar disso, diz não ter rixa pessoal com o presidente do Senado.
📊 Informação Complementar
“Não tenho nada contra o senador Davi.
Não sou nem concorrente dele.
Não sou candidato a nada.” Ele também afirma que chegou a procurar o governo do Amapá em busca de apoio à Forte FM, mas não conseguiu fazer acordo devido à exigência de que ele rompesse com o grupo de Furlan.
“Ele queria colocar inserção (publicitária), mas queria que eu tirasse o outro pessoal.
Não posso fazer isso.
Tem espaço para todo mundo.
Aqui é o autoritarismo maior do mundo.
Aqui, o maior pisa no menor.”
Pela legislação, a derrubada de uma estação de rádio não pode ocorrer por decisão administrativa.
É preciso que a Justiça confirme a sanção.
Por isso, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou, em junho, um pedido para levar a cabo a punição, mas ainda não houve avaliação pelo juízo da 1ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, onde o processo tramita.
Davi Alcolumbre é o principal avalista das indicações de seu partido, o União Brasil, para cargos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi ele quem escolheu o deputado Juscelino Filho (União-MA), que foi ministro das Comunicações do início do atual mandato do petista até o último mês de abril, quando pediu demissão devido à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que o colocou no centro de um esquema de desvio de emendas.
Incumbiu-se ainda de apontar um substituto.
Sua primeira opção, o líder do União na Câmara, Pedro Lucas (MA), recusou o cargo e preferiu se dedicar ao mandato.
Então, Alcolumbre viabilizou a nomeação de Siqueira Filho, atual chefe da pasta que antes era presidente da Telebrás, função que também exerceu com o apoio do parlamentar.
No ano passado, a rádio chegou a ficar 10 dias fora do ar devido a uma suspensão aplicada pela pasta com base nas mesmas alegações do atual processo.
O período determinado para o cumprimento da punição era de 23 de setembro a 2 de outubro, às vésperas da votação do 1º turno, realizada quatro dias depois.
A Forte FM conseguiu uma liminar na Justiça e adiou a data para o intervalo de 7 a 16 de outubro, quando o resultado já estava sacramentado e Furlan, reeleito.
Mesmo após essa decisão, o ministério pediu à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que fizesse uma fiscalização no período inicialmente estipulado, pouco antes das eleições, e defendeu, em março deste ano, uma nova sanção à rádio por ter mantido a programação no ar.
Mais uma vez, foi preciso uma liminar na Justiça para evitar a repetição da suspensão, que já havia sido cumprida.
Nesta sentença, proferida em março, a juíza Cristiane Pederzolli Rentzsch, da 8ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, considerou que a Forte FM tem caráter educativo e que a iniciativa de puni-la duas vezes pelo mesmo ato viola a Constituição.
“Qualquer tentativa de limitação arbitrária da liberdade de comunicação, informação e difusão cultural deve ser rechaçada, pois contraria a proteção constitucional conferida à livre manifestação do pensamento e da expressão, consolidada tanto no texto constitucional quanto na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.
No novo processo, aberto sob argumento de reincidência nas irregularidades, o ministério passou a defender a derrubada permanente da rádio.
A Forte FM tenta reverter a situação por meio de uma ação em que se diz alvo de censura e aponta para violação à liberdade de expressão.
Afirma ainda que houve uma avaliação enviesada da programação por parte do governo ao considerar que programas jornalísticos tinham como única finalidade enaltecer Furlan.
Irmão de Alcolumbre acionou a Justiça para impedir críticas da Forte FM Josiel Alcolumbre atualmente é presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Amapá, cargo que ocupa com o apoio do irmão.
Sob sua gestão, o órgão moveu, em abril do ano passado, um processo contra a Forte FM em que pede à Justiça para impedir a rádio de fazer “futuros xingamentos” contra o Sebrae.
Apresentadores da Forte FM opinaram com ironia sobre o Prêmio Sebrae Prefeitura Empreendedora, que premiou o município de Santana, governado por Bala Rocha (PP), aliado dos Alcolumbre.
Ao som da música-tema dos palhaços Patati e Patatá, os apresentadores da Forte FM questionaram os critérios adotados no concurso.
O Sebrae-AP considerou as manifestações dos radialistas difamatórias e ofensivas à sua honra e à sua imagem pública.
“Não se trata, aqui, de censura, visto que os réus extrapolaram a liberdade de expressão.
E a ordem pode se limitar à proibição de futuros xingamentos com o mesmo teor ou semelhantes aos já proferidos, permitindo, obviamente, a crítica que respeite os limites”, diz a denúncia.
A Justiça negou a liminar e ainda não tomou decisão.
Desde esse episódio, o governo do Amapá, liderado por Clécio Luís, aliado de Davi Alcolumbre, interrompeu o patrocínio que dava à rádio.
A última inserção da gestão estadual ocorreu em março do ano passado.
O governo do Amapá afirmou em nota que a distribuição de recursos de comunicação está em conformidade com a legislação vigente e as prioridades definidas em cada exercício.
Já o governador Clécio, também procurado por meio de sua assessoria de imprensa, não se pronunciou.
Fonte: estadao
24/08/2025 19:04