As eleições parlamentares deste domingo (23/2) apenas confirmaram o cenário que já se desenhava nos últimos anos: a direita radical está cada vez mais forte e tem cada vez mais apoio da população na Alemanha.
O controverso Alternative für Deutschland (AfD, ou Alternativa para a Alemanha), ficou em segundo lugar nas urnas, com 20,6% dos votos. O conservador União Democrata-Cristã (CDU) foi o vencedor, com 28,6% dos votos.
O partido foi alçado principalmente por seu forte discurso anti-imigração. Para os eleitores do AfD esse é o tema mais importante, com foco no aumento de refugiados e pedidos de asilo nas últimas décadas.
Durante a campanha, a líder da legenda, Alice Weidel, chegou a apoiar oficialmente um projeto de “remigração”, ou o “retorno” em massa de imigrantes e seus descendentes para seus países de origem.
O termo ganhou destaque pela primeira vez no cenário político alemão no início de 2024, quando a notícia de que políticos do AfD haviam participado de um encontro com neonazistas para discutir a deportação em massa de milhões de imigrantes e “cidadãos não assimilados” — independente de situação legal ou de possuírem cidadania alemã — escandalizou o país.
O episódio provocou uma onda de protestos nacionais e levou o AfD a se distanciar da ideia de “remigração” — uma postura posteriormente abandonada ao longo da campanha.
A possibilidade de um endurecimento das políticas migratórias — e o sentimento cada vez mais hostil em relação aos imigrantes — assusta brasileiros que moram na Alemanha.
‘Me sinto impotente’
Gabriela Badain, estudante de 27 anos que mora há dois anos em Leipzig, no leste da Alemanha, diz se sentir impotente diante do avanço da direita radical.
“Eu, assim como muitos outros imigrantes, estamos muito preocupados”, diz a mestranda que estuda Alemão como Língua Estrangeira. “Sei o quanto o resultado dessa eleição pode influenciar meu futuro, mas não tive o que fazer além de tentar conversar com os eleitores alemães à minha volta, porque não posso votar.”
No país, apenas pessoas com cidadania alemã possuem direito ao voto em eleições nacionais.
“Me sinto excluída totalmente do lugar onde vivo”, lamenta a brasileira natural de São Paulo.
O estado da Saxônia, onde a cidade em que Gabriela mora está localizada, se tornou um dos principais polos de crescimento do AfD nos últimos anos.
Desde setembro do ano passado, o partido tem a segunda maior bancada no Parlamento local, com apenas um assento a menos do que a União Democrata-Cristã (CDU).
A região leste da Alemanha, aliás, vem sendo considerada um bastião da direita radical.
Também no ano passado, o AfD comemorou um “sucesso histórico” após conquistar quase um terço dos votos nas eleições locais do Estado de Turíngia. Foi a primeira vitória da direita radical em uma eleição para parlamento estadual na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial.
Gabriela afirma nunca ter experimentado ataques xenofóbicos direcionados diretamente contra ela, mas lamenta o aumento dos casos em todo o país — segundo dados compilados pela Statista em 2024, 13,3% da população acredita que o país está em risco por causa dos estrangeiros.
“Sou uma pessoa branca e muitas vezes só percebem que sou imigrante quando ouvem meu sotaque, mas já vivenciei situações muito tristes ao lado de colegas ou do meu namorado, que é libanês.”
A estudante relata um episódio específico em que, durante um encontro em um restaurante com o namorado e outros amigos de origem libanesa, um jovem alemão se aproximou da mesa onde estavam sentados e estendeu o braço em um movimento que pode ser comparado a uma saudação nazista.
“Fiquei horrorizada e quis denunciar para a polícia, mas meus amigos disseram que não era a primeira vez que isso acontecia com eles e que não daria em nada.”
A própria AfD já foi acusada de defender ideias neonazistas e integrantes do partido foram condenados por apologia à ideologia.
No ano passado, o partido foi expulso da coligação Identidade e Democracia (ID), formada por partidos da direta radical do Parlamento Europeu, depois que um político da sigla afirmou que os membros da SS nazista “não eram todos criminosos”.
A SS era uma força paramilitar nazista e foi uma das organizações responsáveis pelo Holocausto.
Episódios como esse fizeram com que todos os demais partidos, incluindo a CDU e o Partido Social Democrata (SPD), do primeiro-ministro Olaf Scholz, prometessem nunca colaborar com a AfD, isolando a ultradireita através de um chamado “cordão sanitário”.
Mas a tentativa de Friedrich Merz de aprovar no Parlamento alemão um projeto que pedia restrições à reunificação familiar e a rejeição de imigrantes nas fronteiras, em janeiro deste ano, causou polêmica em todo o país. Isso porque, para aprovar a moção e as linhas gerais do texto serem discutidas, o líder da CDU contou com apoio da AfD.
O projeto de lei acabou não sendo aprovado, mas Merz incluiu em sua lista de prioridades num eventual governo a implementação da medida — algo que também assusta muitos imigrantes.
“Ver CDU compartilhando ideias com a AfD preocupou muita gente. Quando vi as notícias sobre isso só consegui pensar ‘nossa, agora ferrou'”, conta Gabriela Badain.
A estudante relata ainda uma inquietação entre colegas estrangeiros que vivem na Alemanha com visto de estudante. “Já estive em várias conversas em que a ideia de terminar o mestrado em outro país surgiu”, diz.
Ela mesma afirma estar preocupada com seu futuro. “Trabalho meio período como professora de alemão para crianças imigrantes e não sei o quanto essa intolerância crescente pode afetar meu trabalho ou a busca por outras vagas”, afirma.
Por tudo isso, Gabriela afirma que pretende deixar a Alemanha caso a sensação de insegurança e a hostilidade em relação aos imigrantes cresça ainda mais.
“As pessoas imigrantes já passam por muitas dificuldades e desafios por não estarem no próprio país. Então se eu me sentir ameaçada, mesmo eu estando em um lugar de privilégio, me faria não querer continuar morando nesse país — e eu acho que muitas pessoas do meu círculo também se sentem assim.”
‘Única esperança é saber que não são maioria’
Luciano Luz, 38, trabalha como entregador de comida por aplicativo desde que se mudou para a cidade alemã de Mannheim há seis anos. O paranaense não nega já ter sido tratado de forma diferente em seu dia a dia apenas por ser imigrante.
Ele relata ao menos dois episódios em que se sentiu desrespeitado durante o trabalho. Em uma dessas ocasiões, estava pedalando sua bicicleta quando um carro se aproximou e o passageiro arremessou um copo de água com gelo em suas costas.
“Quase 100% dos entregadores de aplicativo na minha cidade são imigrantes e não havia outro motivo para fazerem isso”, conta. “Foi a primeira vez que senti medo por conta dessa onda anti-imigração.”
Natural de Foz do Iguaçu, Luciano imigrou para a Alemanha para ficar mais perto da única filha, nascida de um relacionamento com uma mulher alemã que ele conheceu quando ainda morava no Brasil.
Mas apesar de ter sido ele mesmo vítima de preconceito, compartilha que está cada vez mais cultivando um sentimento de apatia diante do crescimento da direita radical.
“Evito carregar comigo o sentimento de medo ou raiva diante de tudo que está acontecendo, porque não tem o que eu possa fazer e pensar demais nisso só vai me adoecer”, diz.