Na quinta-feira, 9 de janeiro, um veto integral ao Projeto de Lei (PL 6064/2023) surpreendeu milhares de mães atípicas que aguardavam há 10 anos o direito à indenização por danos morais e à concessão de pensão especial para crianças com deficiência permanente, decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika.
O PL, de autoria da deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), estava tramitando favoravelmente no Congresso Nacional e previa o pagamento de uma indenização de R$ 50 mil, além de uma pensão vitalícia para as crianças afetadas, com valor de até R$ 8.092,54, conforme o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Com o veto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou uma Medida Provisória com novas regras, que reduz o valor da pensão e limita os beneficiários. A indenização, agora chamada “apoio financeiro”, foi fixada em R$ 60 mil, a ser paga em parcela única.
O governo federal justificou o veto alegando que o projeto contrariava o interesse público e apresentava “inconstitucionalidade”. Segundo o decreto, a proposta criava uma despesa obrigatória contínua sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro, e ampliava os benefícios da seguridade social sem garantir a identificação da fonte de custeio ou a compensação necessária. O presidente também destacou que, ao dispensar reavaliação periódica dos beneficiários, o projeto se afastava da abordagem biopsicossocial da deficiência.
Para as mães de crianças com microcefalia do projeto Abraço a Microcefalia, em Salvador, o veto é visto como um retrocesso após uma década de luta. Elas afirmam que os valores previstos inicialmente ajudariam a cobrir os custos mensais com saúde, alimentação, higiene e melhorar a qualidade de vida das crianças e suas famílias, que dependem do apoio de seus responsáveis.
Raniele Nascimento dos Santos, mãe de Clara Lícia, de 9 anos, diagnosticada com microcefalia devido ao Zika, expressou sua indignação. Ela criticou o governo por não ter consultado a ONG UniZika Brasil antes de tomar a decisão e afirmou que o valor da nova “indenização” é insuficiente. “O que chamam de apoio financeiro de R$ 60 mil não cobre nem o que gastamos com uma criança com microcefalia em um ano. As crianças têm despesas com fraldas, leite, medicamentos caros e serviços de home care. Muitas mães precisam fazer rifas para conseguir suprir as necessidades dos filhos”, afirmou.
Além disso, a Medida Provisória restringe o público-alvo, pois agora só poderão receber o apoio financeiro as crianças que atendam aos requisitos do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e a participação no Cadastro Único (CadÚnico) se tornou um critério obrigatório, deixando muitas famílias de fora.
Para se manifestar contra o veto, três associações realizarão um protesto na próxima segunda-feira, 13, às 11h, em frente ao Shopping da Bahia. As entidades que participarão do ato são o projeto Abraço a Microcefalia, a Associação de Famílias das Crianças com Microcefalia (AMAP) e a Associação de Microcefalia e Acolhimento com Empatia (AMAE).
Flaviana Oliveira de Souza, mãe de uma criança com microcefalia e associada do Abraço a Microcefalia, espera que o veto seja revertido. Ela acredita que o projeto deve continuar a apoiar as famílias atípicas. “Esperamos que o presidente veja o projeto com empatia, como o Senado e a Câmara o fizeram. Estamos buscando uma reparação social, pois isso não foi culpa nossa, e o governo precisa assumir a responsabilidade”, concluiu Flaviana.