Entenda o que é a Lei Magnitsky usada contra Alexandre de Moraes
Dispositivo impõe sanções financeiras a estrangeiros acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos.
A sanção aplicada pelos Estados Unidos por meio da Lei Magnitsky ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, impedirá que o magistrado tenha contas em bancos americanos, realize transferências internacionais e possua cartões de crédito emitidos por bandeiras estrangeiras, como Visa e Mastercard.
Esses efeitos são consenso entre especialistas ouvidos pelo Estadão, mas as consequências da sanção americana para bancos brasileiros que têm Moraes como cliente são incertas.
Eles consideram que há um risco potencial de que haja algum efeito que poderia, em último caso, levar ao encerramento de contas do ministro.
Há dúvidas se todas as punições previstas pela legislação americana serão aplicadas contra Moraes e se as instituições bancárias brasileiras adotarão uma posição conservadora para não correr risco de também serem sancionadas.
Segundo revelou a Coluna do Estadão, bancos já acionaram departamentos jurídicos e apontam que toda transação em dólar estaria proibida para o ministro.
Ao mesmo tempo, Moraes é uma autoridade brasileira e não seria trivial encerrar contas dele no Brasil por causa de um ato unilateral de outro país.
📌 Pontos Principais
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que não se pronuncia sobre “quaisquer aspectos específicos de transações, permitidas ou vedadas, afetas a relacionamento de bancos com seus respectivos clientes, que estão, inclusive, protegidas por sigilo bancário”.
O STF divulgou uma nota em que presta solidariedade a Moraes, mas não respondeu especificamente a um pedido do Estadão para se posicionar sobre as contas bancárias do ministro no Brasil.
Moraes, procurado por meio da assessoria da Corte, não havia respondido até a publicação deste texto.
O espaço segue aberto.
Presidente do Ramo Brasileiro da International Law Association, Aziz Saliba afirma que a Lei Magnitsky se aplica a transações que ocorrem “dentro, passando ou que entrarão” nos Estados Unidos, mas, via de regra, não atinge diretamente operações realizadas fora do sistema financeiro americano.
“Há uma aplicação mais geral dessa legislação, que poderia ser utilizada, que é argumentar que a empresa estaria prestando assistência ao indivíduo sancionado.
Mas, ao meu juízo, manter uma conta não é o nível de exigência que se pede [para punir a empresa por esse motivo]”, disse ele, que também é professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Saliba exemplifica que, se Moraes realizar uma transferência de uma conta no Brasil para um país europeu e a operação precisar passar pela filial americana do banco, a transação será bloqueada.
Embora considere que transações internas não deveriam ser afetadas pela sanção, o professor pondera que os bancos podem optar por não correr riscos.
“As instituições financeiras operam com base em compliance.
Na dúvida, eles travam [a transferência].
Se não fosse o ministro o alvo da sanção, fôssemos eu ou você, o banco iria nos convidar a não ter mais conta.
Mas o Banco do Brasil, a título de exemplo, não irá desconvidar o ministro Alexandre de Moraes a ser cliente, pois ele está sofrendo uma sanção estrangeira em razão do exercício regular da sua função”, declarou Aziz Saliba.
Professor da Universidade de Brasília (UnB), Vladimir Aras afirma que, em tese, bancos brasileiros que mantêm agências ou correspondentes nos Estados Unidos podem ter que cumprir as sanções impostas pelos EUA e romper o relacionamento comercial com Moraes.
Ele pondera, no entanto, que ainda não há clareza sobre o assunto.
Até o momento, foi divulgada somente a inclusão do magistrado na lista de indivíduos sancionados, mas não quais sanções específicas da Lei Magnitsky foram aplicadas ao ministro.
Parte da controvérsia está relacionada ao sistema de pagamentos global Swift, que conecta instituições bancárias de diversos países, inclusive as brasileiras.
“A questão é se um banco brasileiro, atuando no Brasil e fazendo operações no Brasil, sem usar o sistema Swfit, seria obrigado a cumprir essas medidas.
Se for um banco americano atuando aqui, sim, mas se for uma instituição financeira brasileira, como Caixa ou Banco do Brasil, há o limite da soberania brasileira”, afirmou Aras.
Ele considera que seria “absurdo” se bancos brasileiros forem punidos por permitir movimentações financeiras de Moraes fora do sistema Swift ou que tenham passagem pelo EUA, como a realização de uma transferência ou pagamento via Pix, sistema de pagamentos desenvolvido pelo Banco Central brasileiro.
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A avaliação, porém, não é unânime.
“A sanção, no final das contas, vai acabar afetando toda movimentação financeira do Moraes.
Todos os bancos brasileiros estão acoplados ao Swift.
Com isso, o banco fica obrigado a seguir regras de compliance que o impedem de ter como cliente pessoas sancionadas”, declarou Ricardo Inglez de Souza, especialista em comércio internacional e sócio do escritório IW Melcheds.
“Assim como países sancionados geram restrições para empresas americanas ou que fazem negócios nos EUA, pessoas sancionadas também”, acrescentou ele.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenador do Observatório da Extrema Direita, Guilherme Casarões, concorda e alerta que instituições financeiras brasileiras também podem ser penalizadas pelo governo americano caso mantenham vínculo com pessoas sancionadas pela Lei Magnitsky, mesmo que as operações não envolvam diretamente os Estados Unidos.
“Há precedentes de bancos e instituições financeiras em outros países que foram punidos por manter contas correntes ou oferecer serviços como cartões de crédito a indivíduos incluídos na lista de sanções”, afirmou.
Casarões cita o caso da Rússia como exemplo: após a aplicação de sanções a integrantes do governo de Vladimir Putin, instituições financeiras locais e de países parceiros foram alvo de medidas do Tesouro americano por descumprirem as restrições.
“Esse histórico leva os bancos a adotar posições conservadoras, muitas vezes encerrando relações com sancionados para não correr o risco de sofrer penalidades ou de perder acesso ao sistema financeiro internacional”, completou.
Efeitos são imediatos Os efeitos da sanção passam a valer imediatamente a partir do momento em que o nome entra na lista de pessoas e empresas sancionadas pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro dos EUA, segundo Helisane Mahlke, professora de Direito Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
📊 Informação Complementar
O cadastro funciona como um banco de dados global que bloqueia qualquer relação financeira com instituições norte‑americanas e costuma ser seguido por bancos de outros países que usam o dólar ou mantêm contas correspondentes nos EUA.
Ela ressalta que o efeito não se limita aos EUA: instituições de outros países que usam o dólar ou mantêm contas correspondentes em bancos americanos tendem a adotar a mesma conduta para evitar riscos.
Essas instituições, lembra, podem ser multadas e até perder o acesso ao sistema financeiro norte‑americano caso desrespeitem as sanções.
Helisane pondera, no entanto, que ainda não está definido como as sanções se estenderão a familiares do ministro, o que dependerá de novas deliberações do governo americano.
O advogado e mestre em Direito Internacional pela USP Victor Del Vecchio ressalta que há nuances no alcance extraterritorial da medida.
Ele afirma que empresas estrangeiras com filiais em outros países podem ser obrigadas a cumprir as sanções.
Vecchio cita como exemplo a possibilidade de um cartão de crédito emitido no Brasil por um banco local, mas com bandeira americana como Visa ou Mastercard, ser bloqueado porque a operação passa por sistemas controlados nos EUA.
O advogado reconhece que a situação gera insegurança jurídica, dado o ineditismo da aplicação da lei em uma democracia.
“É um terreno nebuloso”, avalia.
Ele pontua que, enquanto a discussão sobre a validade de uma lei estrangeira para instituições brasileiras não tem resposta definitiva, as sanções podem ser efetivadas, dificultando transferências de recursos e o uso de cartões, serviços de transporte por aplicativo e até de internet.
Sobre a extensão das sanções a familiares, Del Vecchio considera “bastante provável” que isso aconteça.
Ele lembra que a Lei Magnitsky permite atingir pessoas que auxiliem, sejam beneficiárias ou atuem como intermediárias dos atos ilícitos atribuídos ao sancionado, o que inclui familiares, assessores, empresas de fachada ou laranjas.
Com a aplicação da Lei Magnitsky, podem ser bloqueadas e congeladas contas correntes e de investimentos mantidas em bancos americanos, bem como participações societárias em empresas com sede nos EUA registradas em nome da pessoa física ou jurídica afetada.
Cartões de crédito emitidos por instituições financeiras norte-americanas também podem ser cancelados.
Como mostrou o Estadão, Moraes afirmou a interlocutores que não mantém bens ou aplicações nos EUA, o que tornaria essa medida específica inócua.
Fonte: estadao
31/07/2025 09:39