A pressão externa para instalar data centers nada tem a ver com os interesses estratégicos do País
A pressão externa para instalar data centers nada tem a ver com os interesses estratégicos do País
O poder quase ilimitado das big techs ameaça encaminhar o Projeto de Lei de data centers, que voltou a ser discutido no Senado na quarta-feira 26, para o mesmo destino dado à regulação das redes sociais, engavetada pelo deputado Arthur Lira no ano passado. O governo procura mais uma vez resistir, com uma proposta de política nacional para esses centros de dados esboçada pelo Ministério da Fazenda a partir de sugestões de vários ministérios.
🌍 Contexto e Relevância
Os data centers são considerados “a espinha dorsal de nossas vidas digitais”, resume uma empresa do setor. Eles armazenam fotografias, hospedam sites, executam softwares baseados em nuvem e transmitem filmes. Atendem ao apetite por consumo digital, que cresce de modo exponencial na era da Inteligência Artificial, aprendizado de máquina, trabalho remoto, internet das coisas e big data. Estimativas apontam que os data centers são responsáveis por 3% do consumo global de eletricidade, com previsão de aumento para 10% até 2030, boa parte proveniente de fontes não renováveis. Os riscos ambientais diante da multiplicação desses consumidores vorazes de energia são, contudo, quase sempre subestimados nas soluções formuladas por países ávidos em hospedá-los. Outros aspectos essenciais mal aparecem nas discussões. É preciso também levar em conta a situação da infraestrutura de energia de cada país e os riscos para a soberania nacional.
Para Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto Energia e Ambiente, da USP, é preciso considerar que, embora haja fontes primárias de energia, que é o que interessa às big techs, o sistema está vulnerável por causa da atual estrutura das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica. Há outros pontos fracos. “É preciso alterar os conceitos de planejamento, expansão, manutenção com foco em confiabilidade, operação e controle, monitoramento, uso dos mais avançados recursos e mecanismos de informação e gestão. Para não citar a Inteligência Artificial. O grande patrimônio do País são os reservatórios. É necessário mudar drasticamente os critérios de operação do sistema interligado nacional.” Segundo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da UFABC e pesquisador de redes digitais, é preciso ter data centers que estejam sob controle do País. “O mundo está numa situação muito perigosa, os data centers são infraestruturas geopolíticas. As big techs, que controlam os provedores de nuvem que em geral operam os data centers, estão na linha de frente do poder norte-americano e Trump está dizendo que vai agir para quebrar todos os empecilhos ao poderio das empresas, inclusive tributações, o que é um absurdo.”
Fonte: Ministério de Minas e Energia
💥 Como cartacapital.com.br Afeta o Cotidiano
Igor Marchesini, assessor especial do Ministério da Fazenda, destaca que o Brasil, hoje, importa 60% da demanda de data centers, por ser mais barato contratar um na Virgínia do que em São Paulo. “Só roda aqui o que precisa de baixa latência. Qualquer coisa que necessite latência um pouquinho maior, roda-se fora”, sublinhou Marchesini em debate promovido pela Empresa de Pesquisa Energética. Uma política bem articulada com os demais ministérios pode impulsionar e adensar as cadeias acessórias, acrescentou o assessor.
Alause Pires, coordenadora-geral de IA e tecnologias emergentes do Ministério do Desenvolvimento, sustenta ser preciso ir além da oferta de benefícios tributários e desenvolver a cadeia produtiva da produtos e serviços. “Não queremos apenas atrair os data centers, mas estimular o desenvolvimento da nossa indústria nacional de equipamentos e serviços de nuvem. Há um esgotamento da capacidade dos principais centros no mundo. Nos EUA, a espera em alguns estados chega a oito anos para a entrega de data centers.” A criação de data centers e serviços de nuvem públicos, diz, é essencial. Isso fica evidente, segundo Silveira, na área da educação. “Por que o MEC não constrói quatro grandes data centers federados, com baixo impacto ambiental, cada um reunindo várias universidades? Temos tecnologia, engenheiros e cientistas capazes de fazer isso. A gente não faz porque não é nossa política.”
Os centros de dados são infraestruturas geopolíticas, diz Sérgio Amadeu
🔍 Detalhes Importantes
Um trabalho do sociólogo Leonardo Ribeiro Cruz e outros autores, da Universidade Federal do Pará, publicado no ano passado e intitulado “Mapeamento da Plataformização da Educação Pública Superior na América Latina e na África”, mostra um domínio alarmante das big techs sobre essas instituições. Segundo o estudo, 76% dos domínios válidos das universidades públicas de ensino na América Latina direcionam suas mensagens para servidores do Google e da Microsoft, 58% desses domínios estão armazenados no Google e 18% na Microsoft. Somente 24% dos domínios válidos estão em outros tipos de centros, em sua maior parte servidores próprios e gerenciados pelas instituições. “Cuba é o único país da região com 100% dos servidores próprios, seguido por Uruguai, com 85%”, documenta o trabalho.
A sugestão recente apresentada no Congresso dos EUA pelo secretário de Estado, Marco Rubio, de investimentos em países capazes de atender à demanda atual de energia elétrica, como o Paraguai, desnuda o caráter geopolítico da questão dos data centers e das big techs. Rubio aproveitou o momento em que a renovação do contrato de aquisição preferencial, pelo Brasil, da energia excedente da Itaipu Binacional foi torpedeada pela denúncia de espionagem brasileira no país vizinho, para desferir seu ataque indireto ao País.
Os Estados Unidos têm 54% dos data centers do planeta, não vão reduzir isso e querem áreas em países como o Paraguai e o Brasil, com energia renovável sobrando, para reduzir os custos da operação, sublinha Silveira. Um exemplo dos riscos da falta de planejamento é a possível instalação de um data center da chinesa TikTok na minúscula Caucaia, no Ceará, em posição estratégica próxima aos cabos submarinos de internet. Caucaia é assolada por secas a cada dois anos e há temor de um agravamento do problema. •
Publicado na edição n° 1364 de CartaCapital, em 04 de junho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Submissão tecnológica’
Carlos Drummond
Editor de Economia da edição impressa de CartaCapital
Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo
Fonte: cartacapital.com.br
20/06/2025 15:21