Um dos cientistas de maior influência internacional quando o assunto é a sustentabilidade global, o sueco Johan Rockström está, ao mesmo tempo, apreensivo, frustrado empolgado e esperançoso diante dos desafios que o planeta enfrenta hoje.
Diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, na Alemanha, ele lidera há mais de 15 anos estudos sobre o estado dos limites planetários.
Rockström e um grupo de cientistas estabeleceram nove fronteiras que, uma vez ultrapassadas, podem provocar mudanças ambientais abruptas e irreversíveis, tirando o planeta da estabilidade que permitiu o desenvolvimento da espécie humana.
Seis desses parâmetros já foram deixados para trás, e um sétimo deve ser cruzado em breve (veja mais abaixo).
O cientista descreve o momento atual como “o mais sombrio do seu trabalho”, não apenas pelas evidências científicas de que estamos cada vez mais perto de comprometer de forma irreversível o equilíbrio terrestre, mas pela turbulência de guerras, governos populistas e nacionalistas que ameaçam o andamento das negociações climáticas, como na COP-30 sediada em Belém (PA), em novembro.
No “top três” de suas preocupações está o colapso da Floresta Amazônica: “será uma jornada muito dramática se passar do ponto de inflexão”, disse ao Estadão.
Por outro lado, ele afirma que há soluções em todos os setores para dar a volta por cima e recuperar a resiliência da Terra.
É um “ganha-ganha”: a transição também é a via para alcançar economias mais competitivas e sociedades saudáveis.
“Se quiser ‘tornar o planeta grandioso novamente’, escolha o caminho sustentável”, afirma.
Leia a entrevista na íntegra abaixo.
Quantos limites planetários foram cruzados até agora?
Seis dos nove limites foram ultrapassados e continuam a se mover na direção errada.
A implicação disso é muito clara: o planeta está perdendo resiliência, a capacidade de amortecer o estresse causado por todas as formas de desenvolvimento insustentável, em particular pelas mudanças climáticas.
As indicações são de que estamos nos movendo rapidamente em direção a um sétimo, o limite do oceano.
Estamos trabalhando muito arduamente na atualização dos dados sobre acidificação dos oceanos, mas também de absorção de calor — o oceano está absorvendo 90% do calor causado pela queima de combustíveis fósseis — e dos ecossistemas marinhos, principalmente sobre a capacidade de sequestrar carbono da vida no oceano.
Há um artigo científico que conclui que o limite da acidificação oceânica foi cruzado.
Estamos analisando isso com muito cuidado e o veredicto será tornado público em setembro.
Isso é muito preocupante.
A ciência está gritando para o mundo que precisamos alterar a curva da pressão sobre a biodiversidade, água doce, ciclos biogeoquímicos, o uso da terra e o clima, para começar a voltar para um espaço seguro.
'Falhar (em salvar o planeta) não é inevitável, é uma escolha'
O cruzamento desses limites é reversível?
Podemos remover gases de efeito estufa da atmosfera, restaurar a biodiversidade, replantar florestas, remover fósforo e nitrogênio que sobrecarregaram lagos.
Há muito o que podemos fazer, mas há também pontos de não retorno.
Ultrapassar um limite significa entrar em uma zona de perigo onde a força do planeta para evitar pontos de inflexão diminui.
Um bom exemplo é a Floresta Amazônica.
Com o conhecimento científico que temos hoje, sabemos que o clima, a biodiversidade, o uso da terra e da água doce interagem e determinarão se a Bacia Amazônica pode permanecer como uma floresta tropical estável.
Olhando apenas para o clima, a ciência coloca o ponto de inflexão (da Amazônia) num aumento de 3°C a 5°C na temperatura média global.
No entanto, há sinais de que se continuarmos a perder floresta e biodiversidade na taxa atual, as temperaturas que põem a Amazônia em risco de desequilíbrio são bem mais baixas.
Os dados mais recentes mostram que com a perda de mais de 20% a 25% da cobertura florestal, a temperatura na qual a Bacia Amazônica entra em um ponto crítico está entre 1,5°C e 2°C.
É preciso considerar os limites em conjunto.
Se juntarmos todas as evidências que temos hoje, podemos concluir que estamos muito próximos de um ponto de inflexão na Bacia Amazônica e nos recifes de corais tropicais.
Estamos muito próximos de um ponto de inflexão na Bacia Amazônica e nos recifes de corais tropicais Também nos aproximamos de pontos de não retorno no manto de gelo da Antártida Ocidental e da Groenlândia.
📊 Informação Complementar
E não podemos descartar pontos de inflexão antes de 2°C (acima da temperatura média global) em relação ao degelo abrupto do permafrost (camada de solo que permanece congelada por pelo menos dois anos consecutivos, encontrada em regiões como o Ártico e a Antártida).
Há pontos de inflexão que estão muito próximos hoje e nunca é apenas a fronteira climática que está causando isso, é uma combinação de vários limites.
Qual a relação desses limites com o aquecimento do planeta?
Estamos vendo algo muito preocupante: a taxa de aquecimento está acelerando.
Pela primeira vez, vemos a tendência das taxas de aquecimento andarem mais rápido do que nos últimos 50 anos.
Para resumir: de 1970 a 2014, tivemos uma taxa de aquecimento que levou a ciência a concluir que temos um grande problema, uma crise climática profunda.
A partir de 2014, a taxa de aquecimento aumentou ainda mais.
Isso não foi previsto e ainda não há uma resposta científica conclusiva sobre por que isso está acontecendo.
Sabemos que há várias causas por trás.
Não podemos excluir a hipótese de que seja, em parte, porque os ecossistemas terrestres — particularmente sistemas florestais como a Amazônia e a floresta boreal — estão dando sinais de perda de capacidade de absorção de carbono.
Podem ser os primeiros sinais de que o planeta está perdendo sua resiliência, sua capacidade de amortecimento.
E isso porque estamos ultrapassando os limites de água doce, uso da terra e biodiversidade.
O que estamos tentando alertar com o quadro de limites planetários é que não se trata apenas de queima de combustíveis fósseis, é também sobre manter a biosfera viva em um estado saudável, porque esse é um estado resiliente que permite à natureza continuar resfriando o planeta.
Qual é a sua principal preocupação neste momento, não apenas como cientista mas como alguém que se preocupa com o futuro do planeta e das próximas gerações?
O que te mantém acordado à noite?
Nunca tive razão para estar tão nervoso quanto hoje.
Este é, sem dúvida, o momento mais sombrio do meu trabalho.
A razão para isso não é apenas que há evidências científicas muito preocupantes de que estamos nos aproximando de um ponto em que perdemos capacidade de reverter a situação.
Mas também porque o mundo está em um estado tão turbulento com as guerras na Ucrânia e em Gaza, a desconfiança, o populismo, a tendência geral em direção a mais nacionalismo e a incapacidade de trabalhar coletivamente.
A ciência mostra que precisamos mais do que nunca de uma governança global.
Precisamos de ação coletiva em nível global e, exatamente nesse momento em que precisamos trabalhar juntos, as nações estão recuando.
Temos dificuldades incríveis em estabelecer políticas ambientais.
Assim, as negociações climáticas estão ameaçadas.
Há três sistemas que me tiram o sono: – os recifes de corais tropicais, porque podemos dizer quase com certeza que assim que ultrapassarmos 1,5°C, o que faremos nos próximos 5 a 10 anos, é muito improvável que possam sobreviver, e eles são os berçários dos peixes, de todos os sistemas marinhos ao redor do mundo, a base para a subsistência de mais de 400 milhões de pessoas; – a Floresta Amazônica, porque é o ecossistema mais rico no planeta Terra, não há sistema que tenha tanta biodiversidade, carbono armazenado e importância na estabilização do abastecimento de água doce para economias em todo o continente.
Será uma jornada muito dramática por séculos se atravessar um ponto de inflexão; – a Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), sistema que regula a troca de calor no oceano no Atlântico Norte e que potencialmente tem os impactos mais catastróficos globalmente.
Temos sinais de que está desacelerando e que é muito sensível a mudanças de calor no oceano.
Se esse sistema se desligasse, teria impacto no aumento do nível do mar, na morte da floresta na Amazônia, nas chuvas na África Ocidental, aumentaria as taxas de temperatura média global ainda mais rapidamente.
São sinais de alerta, ainda não chegamos lá, podemos dar meia-volta e evitar que aconteça.
Há algo que te dê esperança, que indique que vamos conseguir conter esses processos?
Não só estamos enfrentando riscos existenciais — o que significa ter um argumento ambiental para resolver os problemas —, como temos as soluções para resolvê-los.
Há cinco ou seis anos, eu não poderia dizer isso.
O fracasso não é inevitável, é uma escolha.
Soluções existem em todos os setores: transporte, ambiente construído, produção de alimentos, transição para uso circular de materiais, alternativas ao plástico.
É uma questão de quais políticas e investimentos colocamos em prática.
As políticas devem punir aquelas que prejudicam o planeta e subsidiar práticas que se alinham aos limites planetários.
Outra conclusão esperançosa é que não só temos as soluções, como amplas evidências hoje de que, se fizermos a transição para essas soluções, seremos vencedores em termos de economias mais avançadas e competitivas, melhor desenvolvimento econômico, mais empregos, saúde significativamente melhor.
É um ganha-ganha completo: também proporciona sociedades mais estáveis, com menos migração e conflito.
Não importa por qual lado você olhe, se quer ‘tornar o planeta grandioso novamente’, escolha o caminho sustentável.
O caminho em que estamos hoje nos leva a um beco sem saída, é o caminho perdedor.
Não importa por qual lado você olhe, se quer ‘tornar o planeta grandioso novamente’, escolha o caminho sustentável
Olhe para a China.
Ela está liderando a tecnologia de baterias, de energia eólica e solar, estão eletrificando o sistema de transporte tão rápido que estão empurrando a economia europeia para uma corrida para longe do motor a combustão.
O mundo moderno de amanhã é uma economia circular sustentável carbono zero que opera dentro dos limites (planetários) seguros.
Você não precisa se importar com o planeta, com a natureza, não precisa nem acreditar em mudanças climáticas.
Ainda vai ganhar se optar pela sustentabilidade, terá a economia mais forte com as melhores condições de vida para seus cidadãos.
Isso é bastante empolgante, mas me traz uma frustração.
Fale dessa frustração.
Não é notável termos todas as evidências científicas sobre os riscos, termos as soluções e sabermos que elas oferecem resultados melhores, e ainda assim não estarmos fazendo nada?
Estarmos não apenas falhando, mas recuando?
É por isso que acredito que não precisamos apenas de mais ciência, mas de um pouco de adrenalina, porque o que estamos fazendo está se tornando inaceitável.
Como nós, os adultos no comando do planeta Terra hoje, permitimos que isso acontecesse?
Não há desculpa.
Daqui a 20, 25 anos, teremos de olhar nos olhos de nossos filhos e dizer que a nossa escolha foi falhar.
Não foi inevitável.
Não foi como, oh meu deus, não pudemos fazer nada a respeito porque a ciência não estava estabelecida, não tínhamos as soluções ou elas eram muito caras.
Esses argumentos estão acabados.
Fonte: estadao
17/08/2025 20:51