O mundo suspirou de alívio.
Em Busan, os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, anunciaram uma “trégua comercial”.
Por um ano, Washington suspenderá parte das tarifas e Pequim adiará restrições às exportações de terras raras.
Mas a pausa é volátil.
Nada de essencial mudou.
📌 Pontos Principais
A rivalidade sino-americana deixou de ser uma disputa de tarifas para se tornar o eixo de uma nova era – a da interdependência armada.
Trump apresenta o acordo como vitória pessoal, e Xi, como demonstração de força paciente.
Ambos fingem moderação, mas nenhum recua.
Trump precisa de uma foto de estabilidade para o eleitorado que ele mesmo desestabilizou.
Xi precisa mostrar que o Ocidente, dividido e errático, já não dita as regras do comércio global.
O resultado é um armistício temporário entre contendores que se alimentam mutuamente: quanto mais autoritária e autárquica se torna a China, mais nacionalista e protecionista se tornam os EUA.
E vice-versa.
Essa guerra de tarifas, controles e sanções já não é um jogo de soma zero, mas de saldo negativo.
Cada retaliação encarece insumos, fragmenta cadeias e desacelera o crescimento global.
A inflação pressiona, a produtividade cai e a incerteza reina.
O comércio, que já foi instrumento de integração e prosperidade, converteu-se em arma geopolítica – em vez de unir, passou a dividir.
No curto prazo, Pequim parece administrar melhor o conflito.
Ao transformar a interdependência em poder, Xi criou uma rede de coerção sutil: quem quiser semicondutores, baterias ou ímãs raros precisa da China.
Trump usa o mesmo argumento para expandir tarifas e subsídios que distorcem seu próprio mercado.
O efeito é perverso: ao emular a China, os EUA começam a se parecer com ela – menos abertos e inovadores, mais arbitrários.
O país que venceu a guerra fria em nome da liberdade econômica experimenta agora o autoritarismo (mas sem o planejamento da China), o controle (sem a eficiência), o nacionalismo (sem a coesão).
A tentativa de Trump de redesenhar o comércio mundial a golpes de bravata, como se o século 21 fosse um tabuleiro de cassino, é contraproducente: aliados humilhados, empresas desnorteadas e um sistema internacional cada vez mais descrente das instituições criadas pelos próprios EUA.
A era do livre comércio – motor da prosperidade e da democracia nas últimas sete décadas – cede lugar a um mundo de licenças, proibições e chantagens cruzadas.
Pequim, por sua vez, colhe dividendos do caos americano.
Com a retórica inflamada de Trump, Xi Jinping pode apresentar-se como o guardião da estabilidade e da previsibilidade.
Mas se o Consenso de Washington está moribundo, o “consenso de Pequim” não inspira confiança.
O crescimento chinês enfraquece, a repressão se intensifica e a inovação definha sob o peso do controle estatal.
A trégua de Busan é, portanto, o retrato de dois gigantes que perderam o rumo: um tenta reconstruir muros que ele mesmo derrubou; o outro ergue muralhas para esconder suas fragilidades.
Entre essas muralhas, o mundo se estreita.
As instituições multilaterais já não arbitram tensões; alianças se convertem em transações.
O comércio se reconfigura em blocos que competem mais para sobreviver do que crescer.
A fragmentação torna todos mais pobres.
Para países intermediários, o desafio é resistir à lógica da divisão.
📊 Informação Complementar
A América Latina, e especialmente o Brasil, tem algo a ganhar e muito a perder.
Num cenário de tarifas e escassez, o Brasil lucra com a demanda chinesa por soja, carne e minerais críticos.
Mas a vantagem é passageira.
A longo prazo, o País arrisca-se a tornar-se fornecedor cativo de commodities num mundo de cadeias encurtadas, em que o poder se mede não pela abundância de recursos, mas pela capacidade de inovar e negociar com autonomia.
A trégua de Busan é menos o fim de uma guerra que o intervalo entre dois atos.
Sob a superfície de cordialidade, subsiste a mesma lógica de desconfiança e competição existencial.
Trump e Xi não fizeram as pazes, só adiaram o duelo.
O perigo é que, na próxima rodada, o gatilho dispare sozinho – e o mundo descubra que, em tempos de interdependência armada, ninguém ganha.
Fonte: estadao
01/11/2025 09:09









