Os congressistas brasileiros reagiram prontamente a um vídeo no qual um influenciador digital denunciou explorações variadas de crianças nas redes sociais.
Trinta e dois projetos foram protocolados na Câmara até o início da semana passada, somando-se a outros que já tramitavam na Casa, compondo um largo mosaico de iniciativas destinadas ao tema abordado no vídeo: a chamada “adultização” da infância e da adolescência, termo razoavelmente novo usado para descrever um velho problema, isto é, quando crianças e adolescentes são conduzidos a papéis, estéticas e responsabilidades próprias da vida adulta, como cuidar de irmãos, trabalhar cedo e serem submetidos à erotização precoce.
Diante desse rol de propostas, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), acertadamente decidiu criar um grupo de trabalho com deputados e “notáveis”, que discutirão ações legislativas.
🧠 Análise da Situação
Não é improvável que muitos dos parlamentares que apresentaram propostas tenham tentado aproveitar a oportunidade para surfar na onda deixada pelo influenciador e sua repercussão.
Faz parte do jogo.
Mas é imprescindível que um debate qualificado ajude a filtrar o que é oportunismo indesejável e o que é oportunidade bem-vinda.
🔄 Atualizações Recentes
Assim como o vídeo do influenciador, boa parte dos projetos se concentra na responsabilização pela erotização e exploração sexual infantil.
O vídeo detalhou, de forma didática, a forma com que algoritmos das plataformas alimentam a rede de pedofilia e descreve o que muitos especialistas já vêm alertando há bastante tempo: o uso da internet por crianças, a exibição de imagens sem controle e o caldeirão de riscos que as redes sociais significam, um fenômeno que abre as portas para vícios em pornografia e para o desenvolvimento de transtornos em crianças e adolescentes.
As iniciativas legislativas são relevantes, mas a maioria ainda parece focada no que Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo, chamou, em artigo publicado no Substack, de “pós-fato” – ou seja, na punição apenas do conteúdo, sem considerar o processo que levou à publicação.
📌 Pontos Principais
É evidente que é preciso punir os responsáveis pelo dano, mas o ideal seria, em suas palavras, “regular a máquina antes que o dano ocorra”.
Um dos projetos que tentam escapar disso é o Projeto de Lei 2.628/2022, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que avança no controle parental obrigatório, em mecanismos de denúncia, na verificação de idade e previsão de multas.
Em síntese, exige uma atuação ativa das empresas e facilita o acompanhamento pelas famílias.
Assim seja.
Há, como se sabe, um vício punitivo nacional, especialmente em momentos de comoção popular – uma tendência amplificada ainda mais num contexto de discussão sobre a regulação das redes sociais.
O risco, portanto, é concentrar-se em demasia na sanção e numa abordagem meramente punitiva das chamadas big techs, sem atacar as causas sistêmicas: os incentivos econômicos e a arquitetura dos algoritmos.
A legislação da União Europeia é um bom exemplo de soluções mais estruturais.
Lá, o Digital Services Act define que as plataformas são obrigadas, por exemplo, a proibir publicidade direcionada a menores com base em seus dados, oferecer um feed não personalizado como alternativa ao fluxo algorítmico, avaliar anualmente os riscos sistêmicos que seus serviços criam, inclusive sobre a saúde mental, e garantir mais transparência sobre o funcionamento dos seus sistemas de recomendação.
Não são poucas as forças malignas a operar no ambiente digital: a necessidade de ser visto (transformando a performance diante da câmera numa obsessão), o reforço social gamificado (em que curtidas, comentários, seguidores e “selos” viram chancela de aceitação) e o seu uso para ganhar dinheiro (ou, no jargão das redes, a monetização de conteúdos).
Some-se a isso a erotização, o assédio e o aliciamento, especialmente entre meninas, e tem-se em mãos um produto que não só amplia a vulnerabilidade infantil como encurta o tempo de brincar.
É o que o pediatra Daniel Becker classifica como a “amputação da infância”, uma forma pedagógica de mostrar a perda de um período que não volta no tempo – uma anomalia ainda mais perturbadora quando vemos crianças transformadas em mercadorias.
Fonte: estadao
18/08/2025 11:38