Prédios inacabados, presos em disputas judiciais ou endividados por inadimplência de taxas de condomínio podem perder valor, acabar esvaziados e se tornar esqueletos urbanos.
Especialistas utilizam o termo para descrever edifícios que perdem a função original, e esses imóveis existem em grandes cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.
A capital paulista é a que mais tem exemplos desse tipo de resquício urbanístico deixado pelo mercado imobiliário.
A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) não dispõe de dados que indiquem o total de imóveis ociosos, mas desde 2014 já notificou 2.752 imóveis por descumprirem a função social da propriedade.
O número engloba prédios vazios, subutilizados (ocupando pouco do potencial construtivo), não edificados ou sem uso adequado.
Neste grupo se encaixam edifícios projetados sob a etiqueta do “alto padrão”, como um prédio residencial lançado pela Construtora Atlântica na Rua Apiacás, em Perdizes.
A obra foi iniciada após a compra de cinco sobrados por R$ 5 milhões em 2013 e chegou a cerca de 60% de execução em 2016, quando foi paralisada.
Nada saiu como previsto.
O edifício teria apartamentos com cerca de 80 metros quadrados (m²) e três vagas na garagem.
Hoje, porém, o prédio está inacabado e, desde 2024, ocupado por pessoas do grupo Frente de Luta por Moradia (FLM).
“A Construtora Atlântica faliu em 2017, após constatações de que vendia o mesmo apartamento para várias pessoas em diversos empreendimentos”, explica Thomaz Whately, sócio do HRSA Sociedade de Advogados.
“A empresa entrou com pedido de recuperação judicial em 2015; em 2016 surgiram denúncias sobre fraudes; e em 2017, o pedido de recuperação foi negado e a falência decretada”, disse Whately.
Um dos sócios da Atlântica, o engenheiro Jaime Serebrenic, foi processado por estelionato e chegou a ser preso em Madrid pela Interpol em 2017 no contexto dessas investigações.
Atualmente, o terreno acumula dívidas de IPTU e há pelo menos 609 processos em nome da construtora, incluindo apartamentos de outros edifícios que foram vendidos em duplicidade.
O alto custo da exclusividade Enquanto o empreendimento na Rua Apiacás enfrenta problemas relacionados a questões jurídicas, a trajetória até o abismo de prédios de alto padrão passa por escolhas ruins.
Fernando Calvetti, doutor em planejamento urbano e professor do departamento de arquitetura e urbanismo da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), diz que a busca por símbolos de luxo nos edifícios deveria levar em conta que essas construções vão envelhecer, o que nem sempre acontece.
“O status de morar no prédio giratório ou no prédio com piscinas individuais acaba cegando o planejamento a longo prazo.
📊 Informação Complementar
A arquitetura não é uma foto, ela é um filme, porque todo edifício precisa de manutenção”, afirma Calvetti.
O professor afirma que decisões arquitetônicas que visam o diferencial encarecem a obra e podem geram altos custos de condomínio, fora a probabilidade de falhas e quebras.
Segundo ele, essas características são um excesso de cerejas para enfeitar o bolo, mas acabam o estragando.
“Transformações urbanas podem acontecer, mas tendem a ser por forças exógenas.
Para ser uma coisa do próprio empreendimento, geralmente, é por causa de um erro de partida”, afirma Calvetti.
No Morumbi, o Edifício Penthouse, escolhido para ilustrar a riqueza de Helena na novela A Próxima Vítima, virou um símbolo de decadência e caminha para se tornar um esqueleto urbano.
Em 1995, o edifício era um dos mais luxuosos da cidade.
Menos de 30 anos depois, o colosso de luxo precisa lidar com o avanço da comunidade de Paraisópolis, que derruba os preços dos imóveis.
As unidades que abrigaram uma geração de endinheirados nas décadas passadas, hoje estão anunciadas em sites de vendas por cerca de R$ 500 mil e figuram em leilões.
O valor é uma fração do que apartamentos desse tamanho teriam em outras regiões da cidade.
O preço do metro quadrado fica abaixo de R$ 3 mil, enquanto a média da capital paulista, segundo o Índice FipeZap, está em R$ 11,8 mil.
Inaugurado em 1984 pela construtora Lindenberg na Avenida Giovanni Gronchi, o prédio, exclusivo, tem apenas 13 apartamentos de até 557 m² e piscinas privativas.
O Edifício Penthouse se diferenciava por ter piscinas nas sacadas.
Com o avanço da comunidade de Paraisópolis, a vista agora é para a favela.
Além disso, as piscinas se tornaram um problema estrutural no edifício, devido à infiltração.
As áreas sociais deterioradas e a pintura gasta se somam aos fatores que desvalorizam os apartamentos.
A garagem está quase vazia, com exceção de alguns poucos carros antigos.
Recentemente, uma falha na fiação elétrica causou um incêndio que devastou parte do depósito.
No entanto, o prédio não está abandonado.
Das 13 unidades, nove estão ocupadas e duas foram tomadas por instituições financeiras.
Na visão de especialistas, a transformação do prédio em um esqueleto urbano nos próximos anos é praticamente inevitável.
O declínio do empreendimento está marcado pela inadimplência, que é impulsionada por um contexto de assimetria social.
Ainda em 1990, os problemas começaram.
O prédio de luxo passou a enfrentar problemas judiciais devido à falta de pagamento das taxas condominiais e de IPTU.
O Estadão apurou que a taxa de condomínio é R$ 5,2 mil e o edifício está cobrando cerca de R$ 92 mil em taxas atrasadas.
Além disso, dois apartamentos juntam no total mais de R$ 550 mil reais em dívidas de IPTU.
Um único morador, por exemplo, está envolvido em pelo menos 53 processos com o condomínio.
“A maioria dos processos em que o condomínio é parte são ações de cobrança de despesas condominiais movidas pelo próprio edifício em face de seus moradores”, explica Whately.
Na perspectiva do advogado, a complexidade da manutenção, o êxodo dos moradores, a desvalorização imobiliária e a dificuldade de recuperar o ativo colocam o Penthouse em um beco sem saída.
Vitor Meira França, economista especializado em urbanismo, afirma que o Morumbi começou a entrar em um processo de desvalorização e quem tinha recursos financeiros começou a ir embora.
“Ao mesmo tempo, este é um prédio com alto custo de manutenção e poucas unidades, então quem ficou provavelmente também sofre para pagar a manutenção”, sugere França.
Outro prédio que, segundo urbanistas, corre o risco de se tornar um esqueleto urbano é o icônico Torre Paulista, localizado na Avenida Paulista, 949.
Construído nos anos 1970 pela Construtora Ecisa, o Torre Paulista tem 19 mil m² de área construída em uma das regiões mais nobres da cidade.
O prédio foi totalmente esvaziado em 2015 para abrir caminho para a instalação do primeiro Hard Rock Hotel de São Paulo.
O problema é que o projeto nunca saiu do papel.
A Residence Club, responsável pelo Hard Rock Hotel em São Paulo, está enfrentando problemas jurídicos e financeiros, o que ocasionou muitas reclamações de clientes por atrasos nas entregas de outros projetos semelhantes ao redor do País.
Enquanto isso, o prédio projetado por José Gugliotta e Jorge Zalszupin, está vazio, pichado e tem janelas quebradas.
Mas a situação deve ser resolvida em breve.
A Savoy, proprietária do edifício Torre Paulista, recentemente colocou uma placa de “aluga-se” no portão do edifício.
O Estadão apurou que o metro quadrado está sendo negociado a R$ 19 mil reais e o custo do prédio chega a R$ 2 milhões.
A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) informa que o imóvel encontra-se em condição de não utilizado.
Caso não existam impedimentos jurídicos ou outras restrições previstas em lei, os proprietários serão notificados para o cumprimento da Função Social da Propriedade.
Procurada pela reportagem, a Savoy não retornou o contato.
Outros casos
Em Curitiba, o Suíte Vollard é conhecido por ter sido anunciado como o primeiro edifício residencial giratório do mundo.
Localizado no bairro Mossunguê (Ecoville), o prédio teve obras iniciadas em 1994, foi inaugurado em 2004 e não encontrou compradores.
Cada um de seus 11 apartamentos de 120 m² podia girar 360° independentemente, graças a um sistema mecânico.
Nenhuma unidade jamais foi habitada.
O fracasso de venda está ligado não só ao alto preço dos apartamentos, cerca de R$ 800 mil por unidade na época (por volta de R$ 2,5 milhões em valores de hoje), mas também a problemas judiciais da Moro Construções Civis.
O edifício foi penhorado por dívidas e passou por tentativas de leilão.
Em um leilão realizado em 2022, apenas uma unidade foi arrematada.
Além disso, a falta de Habite-se e de manutenção impedem o uso dos apartamentos.
A reportagem não conseguiu contato com a construtora Moro.
Soluções urbanas
Enquanto se consolidam no horizonte das grandes cidades, os esqueletos urbanos também suscitam debates e provocam o surgimento de ações de requalificação.
Na visão do advogado Thomaz Whately, uma saída possível para o edifício na Apiacás é um investidor conseguir alienar o ativo junto à massa falida para realizar uma nova incorporação no local, tendo em vista que a região é valorizada.
“As dívidas e a ocupação tiram a atratividade para os investidores, mas isso não significa que não tenha solução.
Acho que é até mais fácil de resolver do que a situação do Penthouse”, diz.
“Para o prédio do Morumbi, a solução ideal seria uma revitalização ou um retrofit, mas parece que ninguém está muito disposto a colocar dinheiro, pois ele perdeu muito valor”.
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Na visão de França, o Penthouse vive uma situação semelhante ao centro de São Paulo em décadas anteriores.
“O centro deixava de ser atrativo e as famílias migraram para bairros mais nobres, como os Jardins, Pinheiros e o próprio Morumbi.
O emprego também migrou para a Faria Lima, e esse esvaziamento resultou na decadência do local”, afirma.
O Requalifica Centro é fruto deste cenário, o projeto que dá descontos no IPTU durante as obras e facilita a renegociação de dívidas antigas dos imóveis.
Atualmente, 48 edifícios estão em processo de retrofit no âmbito dos programas, somando 5.149 unidades habitacionais, incluindo moradias populares, além de empreendimentos voltados a escritórios, hospedagem e outros usos comerciais.
Entre eles, edifícios icônicos, como o Martinelli e o Copan.
A Prefeitura de São Paulo também disse, por meio de nota, que dos 2.752 imóveis notificados por descumprirem a Função Social da Propriedade, 517 imóveis cumpriram com as obrigações após a notificação.
Fonte: estadao
05/12/2025 19:16











