Uma infestação de cupins nas estruturas de madeira e a ineficiência dos órgãos governamentais que tratam da conservação do patrimônio histórico são apontados pelo restaurador José Dirson Argolo como responsáveis pelo desabamento do forro do teto da secular Igreja de São Francisco, no centro histórico de Salvador. Uma pessoa morreu e cinco se feriram no acidente.
A equipe de Argolo, um dos mais experientes em atividade na Bahia, executou, recentemente, a restauração da Igreja de Santana, do século 18, também tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Ele criticou a falta de vistorias regulares dos órgãos fiscalizadores nos monumentos baianos.
“Espera-se os monumentos artísticos chegarem a quase um estágio de ruína para depois pensar na restauração. São tragédias anunciadas”, disse Argolo. “Há quanto tempo se sabe que a estrutura do teto e dos altares de São Francisco e tantas outras igrejas estão com problemas?”
Questionados, o escritório regional do Iphan e a Arquidiocese de Salvador não se manifestaram. A arquidiocese divulgou nota lamentando o acidente e expressando solidariedade às vítimas e suas famílias.
O restaurador defende revisão permanente do madeiramento dos tetos. “Os monumentos precisam de vigilância constante num país tropical como o nosso, que chove muito, com índice alto de ataque de insetos xilófagos e eventuais goteiras nos telhados.”
Nem todas as igrejas do centro histórico, diz, estão em situação ruim, pois muitas passaram por reformas recentemente como a Catedral Basílica, as Igreja do Passo, Boqueirão, Santana e São Domingos.
Existem, ao menos, outras 15 igrejas tombadas no Pelourinho e vizinhanças que necessitam de intervenção.
Uma das mais importantes, a Igreja da Conceição da Praia, do século 18, tem uma obra raríssima que corre risco: a pintura do forro do teto de autoria de José Joaquim da Rocha feita em perspectiva ilusionista, entre 1773 e 74. Várias fissuras podem ser vistas no tabuado onde o painel está pintado.
Em relação à Igreja do São Francisco, o lphan foi condenado em 2021 pelo juiz federal Ávio Mozar José Ferraz de Novaes, da 12ª vara Cível da Seção Judiciária da Bahia, a realizar obras de recuperação, conservação e manutenção, após ação. O Iphan não recorreu e informou que vem procurando cumprir a sentença.
Em visita ao local da tragédia, o presidente do Iphan, Leandro Grass, disse que, quando assumiu o órgão, já encontrou a condenação do juiz Ávio, explicando que nos últimos meses o instituto realizou na igreja a restauração dos azulejos e o tratamento do pináculo (estrutura decorativa no ponto mais alto do templo).
Segundo ele, apesar do alerta dos frades sobre os problemas na estrutura do forro, não havia nenhum laudo sobre a ameaça de desabamento, inclusive da Defesa Civil de Salvador. Grass pediu uma reunião de esforços entre prefeitura, governo estadual, sociedade civil para que se possa recuperar a igreja o mais rápido possível.
O Iphan investiu R$ 1,2 milhão no projeto de restauração do templo, ano passado, que está sendo elaborado, mas que depois do desabamento terá que ser adaptado às novas circunstâncias.
A situação precária dos monumentos históricos baianos é resultado de um processo de desmonte dos órgãos do patrimônio do país que começou há alguns anos, na opinião do professor Luiz Alberto Freire, doutor em história da arte pela Universidade do Porto, Portugal. Ele é autor da tese “A Talha Neoclássica na Bahia”.
“O governo atual até que está tentando alterar essa situação, mas não trata do salário dos técnicos da área, que está muito defasado em relação aos outros órgãos”, disse. Ele afirma que as verbas no geral para o patrimônio vêm sendo reduzidas.
Quanto à igreja alvo do acidente, desde se mudou para Salvador, em 1980, ele diz nunca ter visto restauro da estrutura. “A situação é de descalabro e vai acontecer em outros monumentos se a política da área não mudar”.
‘IGREJA DO OURO’
Segundo Argolo, a importância da Igreja do Ouro, como é conhecida São Francisco (cuja talha de madeira, em estilo barroco, que cobre as paredes é revestida com películas douradas), impõe que se façam campanhas como as tocadas pelo governo da França em relação a Notre Dame e o da Itália depois que um terremoto danificou a Igreja de São Francisco, em Assis.
“Era para o Iphan convocar os melhores profissionais da área para, em mutirão, restaurarem a igreja da melhor forma e mais rápido possível”, afirmou. “Em Assis, ocorreu essa convocação e os restauradores foram pra lá recolher todos os pedacinhos da igreja que caíram com o terremoto. Na igreja de Salvador precisa fazer a mesma coisa para tentar remontar o teto com todas as características originais”.
O teto em caixotões (divisão quadrada, ornada de relevos), guardava pinturas do frei Jerônimo da Graça, do século 18.
O diretor-geral do Defesa Civil de Salvador, Sosthenes Macedo, declarou que a tragédia da igreja poderia ter sido evitada se o órgão municipal fosse avisado do risco.
“Nossa missão é fazer vistorias. Temos um plano de contingência do centro histórico de Salvador com cerca de 3.000 imóveis cadastrados dos quais 451 com risco de desabamento e sempre os estamos fiscalizando com regularidade, agora é impossível manter um fiscal em cada imóvel”, declarou, explicando que, como a Defesa Civil não foi acionada pelos guardiões do templo, que optaram por avisar ao Iphan, a prefeitura não pode agir.