Crime organizado funciona como empresa, explora oportunidades e usa violência, diz pesquisador Especialista alerta para a urgência de reformas legais e cooperação internacional Entrevista|Victoria Lacerda, do R7, em Brasília Durante o Fórum Internacional sobre Crime Organizado e Mercados Ilícitos na América Latina, realizado em São Paulo, especialistas nacionais e internacionais se reuniram para discutir os desafios impostos pela atuação de facções criminosas no Brasil e na região.
Um dos destaques foi a expansão transnacional do PCC (Primeiro Comando da Capital), que, segundo o Ministério Público, já tem presença consolidada em pelo menos 28 países.
Em entrevista exclusiva ao R7, o pesquisador Leandro Piquet Carneiro, professor da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador da ESEM (Escola de Segurança Multidimensional), defendeu mudanças legislativas urgentes para conter o avanço do crime organizado.
Ele apontou falhas estruturais na regulação financeira, na articulação entre instituições e na tipificação penal de condutas que hoje já fazem parte do cotidiano das facções, como o controle territorial.
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R7 – Quais são os principais fatores que explicam o fortalecimento das organizações criminosas no Brasil nas últimas décadas?
Leandro Piquet Carneiro – O crime organizado é extremamente dinâmico.
Ele se adapta a qualquer oportunidade que surja.
🌍 O Cenário Atual de r7
Por exemplo, quando a Anvisa proibiu os cigarros eletrônicos, criou-se imediatamente um mercado ilícito explorado por facções.
Ou seja, qualquer brecha de regulação pode ser aproveitada como oportunidade.
Por isso, as políticas precisam ser permanentemente atualizadas.
R7 – Como a atuação das facções criminosas se articula com o tráfico de armas, drogas e outros mercados ilícitos no país e na América Latina?
Carneiro – O crime organizado hoje não está mais restrito ao tráfico de drogas.
Ele opera em mercados diversos: armas, mineração ilegal, contrabando, pirataria e lavagem de dinheiro.
Essa atuação depende de redes sofisticadas de logística, corrupção e violência.
E as facções brasileiras, como o PCC, já se comportam como redes transnacionais.
R7 – Na sua avaliação, o que tem faltado nas políticas públicas de segurança para enfraquecer de forma duradoura o crime organizado?
📊 Informação Complementar
Carneiro – Faltam medidas efetivas de atualização legislativa, especialmente sobre a engenharia financeira dessas organizações.
Hoje há obstáculos legais que dificultam a troca de dados entre instituições estaduais e federais, e que impedem o uso adequado de relatórios do COAF nas investigações.
Também é urgente tipificar o crime de controle territorial — porque hoje, mesmo que uma facção domine uma área, isso não está claramente definido como crime.
R7 – O que o Brasil pode aprender com experiências de outros países no enfrentamento às organizações criminosas — e o que não deve repetir?
Carneiro – Precisamos olhar para experiências como a da Itália, com leis antimáfia robustas e cooperação internacional eficaz.
O que não podemos repetir são políticas baseadas apenas em encarceramento em massa, sem considerar a desarticulação financeira e territorial das facções.
Combater o crime organizado exige inteligência, integração e regulação eficaz.
A atuação do PCC fora do Brasil evoluiu de uma logística de apoio ao tráfico para uma presença institucionalizada, com estruturas próprias.
Que tipo de cooperação internacional é indispensável nesse cenário?
É indispensável uma articulação com ministérios públicos, autoridades policiais e sistemas judiciais de outros países, principalmente na Europa e América do Sul.
A presença do PCC em prisões estrangeiras é preocupante.
Eles estão reproduzindo estruturas que nasceram no sistema prisional brasileiro, com liderança e disciplina interna.
Se não houver cooperação coordenada, essa expansão continuará.
R7 – O senhor mencionou que o maior risco para os países europeus é justamente o modelo prisional que o PCC exporta.
Há alguma legislação brasileira que possa ajudar a enfrentar esse modelo de organização transnacional?
Carneiro – Hoje, não temos mecanismos legais suficientes para combater esse tipo de atuação fora do Brasil.
Precisamos reformular nossas políticas de segurança, pensando na dimensão internacional do crime organizado.
Isso inclui a revisão da progressão de penas e o fortalecimento do controle sobre os vínculos mantidos entre presos no Brasil e no exterior.
R7 – O PCC tem aprendido com facções estrangeiras, sobretudo na lavagem de dinheiro e no envio de recursos sem circulação formal.
O Ministério Público tem conseguido mapear esses mecanismos?
Carneiro – O Ministério Público tem avançado, mas os mecanismos são sofisticados.
O uso de criptomoedas, fintechs e empresas de fachada já é uma realidade no crime organizado.
A regulação desses setores precisa acompanhar esse dinamismo.
A engenharia financeira das facções deve ser prioridade nas investigações — é por onde passa o lucro e o poder delas.
R7 – Há indícios de atuação das facções também como reguladoras de mercados ilegais, como no garimpo?
Carneiro – Sim.
Em áreas onde o Estado não chega, facções como o PCC assumem o papel de “força reguladora”.
Há relatos de que cobram mensalidades para garantir a segurança informal em regiões de garimpo ilegal.
Dizem: ‘Essa draga é sua, essa curva do rio é sua.
Se tiver problema, nos avisa’.
Estão criando um sistema próprio de enforcement de propriedade em mercados ilegais.
R7 – A proposta da PEC da Segurança, apresentada pelo ministro Lewandowski, pode ajudar nesse enfrentamento?
Carneiro – A PEC tem importância, principalmente por buscar integrar as forças de segurança.
Mas não é suficiente.
O principal desafio hoje é normativo.
Precisamos regulamentar melhor a coleta e o uso de dados financeiros, melhorar a articulação entre as agências e criar dispositivos legais que alcancem essas novas modalidades de crime.
Sem isso, o crime seguirá sempre um passo à frente.
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Fonte: r7
17/09/2025 08:16