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Os diálogos do celular de Bolsonaro de 2023
O Estadão teve acesso com exclusividade a esse conteúdo, composto por mais de sete mil arquivos.
Crédito: João Abel/Estadão BRASÍLIA – Diálogos inéditos do telefone celular do ex-presidente Jair Bolsonaro, apreendido pela Polícia Federal em maio de 2023, mostram os bastidores da atuação política do ex-presidente junto ao Congresso Nacional após sua saída do poder, seu relacionamento com empresários e como ele acionava sua rede de contatos para tentar se manter relevante durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Procurada, a defesa do ex-presidente disse que não iria se manifestar sobre o assunto.
O conteúdo do celular de Bolsonaro foi extraído pela Polícia Federal após sua apreensão, em 3 de maio de 2023, na operação que investigou fraudes em certificados de vacinas.
O Estadão teve acesso com exclusividade a esse conteúdo, composto por 7.268 arquivos, que incluem conversas de WhatsApp, documentos, áudios e vídeos.
A maior parte dos diálogos acessados pela PF, porém, estava restrita a um período de uma semana antes do aparelho celular ter sido apreendido.
Conversas anteriores a essa data foram apagadas e não foram recuperadas.
Os diálogos são de 2023, da época da apreensão — não se trata do aparelho celular apreendido na operação da Polícia Federal do último dia 18, quando foi imposto o uso de tornozeleira eletrônica ao ex-presidente.
Bolsonaro orientou aliado a assinar CPI contra STF Um dos diálogos mostra que o ex-presidente orientou o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) a assinar um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e outros integrantes da Corte.
Lopes procurou Bolsonaro, em mensagem de áudio enviada no dia 26 de abril de 2023, e pediu uma orientação sobre seu posicionamento.
“Boa noite, presidente.
A galera tá me pressionando aí porque Eduardo, todo mundo assinou essa CPI de abuso de autoridade do TSE e do STF e eu não assinei até agora porque…
eu não queria entrar nessa bola dividida, com medo de prejudicar até o senhor mesmo nas decisões lá.
O que o senhor acha aí mais ou menos?”, disse.
Áudio do deputado Hélio Lopes para Jair Bolsonaro
Áudio do deputado Hélio Lopes para Jair Bolsonaro
Bolsonaro respondeu: “Eu assinaria.
Sempre existe a possibilidade de retaliações”.
Depois disso, Hélio Lopes afirma: “Já assinei”.
A CPI foi proposta em 2022 pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), com o objetivo de apurar supostos abusos de autoridade do STF e do Tribunal Superior Eleitoral.
📊 Informação Complementar
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No início de 2023, deputados bolsonaristas tentaram ressuscitar a proposta e colher assinaturas, mas até hoje a comissão não saiu do papel.
Nesta sexta-feira, 25, o deputado Hélio Lopes montou um barraca na Praça dos Três Poderes, próximo ao prédio do STF.
Ele colocou esparadrapo na boca e anunciou um protesto contra as medidas judiciais impostas pelo ministro Alexandre de Moraes ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ainda na noite de sexta, Moraes determinou a retirada do acampamento, e, no sábado, 26, a praça amanheceu fechada com grades.
Em sua decisão, o ministro argumentou que as medidas tinham o objetivo de evitar um novo 8 de Janeiro.
Em 2023, Bolsonaro também orientou seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a articular a derrota do projeto de lei das fake news na Câmara.
O ex-presidente compartilhou diversas publicações contra esse projeto, que estabelecia diretrizes para a divulgação de conteúdo das redes sociais e combate a notícias falsas.
A proposta foi apelidada pelos bolsonaristas de PL da Censura e acabou sendo enterrada pelo então presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Na conversa com Eduardo, em 2 de maio de 2023, Bolsonaro disse a seu filho que o projeto deveria ser levado à votação no plenário naquele dia.
A expectativa dos bolsonaristas era de que havia votos suficientes para rejeitar a proposta.
Às 19h39 daquele dia, Eduardo enviou uma mensagem a Jair: “Orlando Silva acabou de pedir para retirar de pauta o PL 2630”.
O pai respondeu em seguida: “Tem que votar hoje”.
“Manifestei pela votação hoje, como líder da minoria”, disse Eduardo.
Procurados, os dois deputados não responderam aos contatos.
Ex-embaixador de Israel ofereceu viagem ao país com tudo pago O ex-embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, se ofereceu para bancar uma viagem de Jair Bolsonaro ao país em 2023, conforme mensagens de WhatsApp registradas no celular do ex-presidente.
A conversa ocorreu no final de abril daquele ano, dias antes de Bolsonaro ter sido alvo de operação da Polícia Federal por suspeita de fraudes em certificados de vacina.
Shelley tinha boa relação com Bolsonaro no período em que foi embaixador de Israel no Brasil, entre 2017 e 2021.
Durante seu governo, ele chegou a dizer que o Brasil iria transferir sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, mudança com forte significado diplomático porque significaria o reconhecimento da cidade como capital de Israel e geraria atritos com países árabes.
Diante das críticas, Bolsonaro acabou recuando do plano.
As mensagens mostram que o ex-embaixador de Israel manteve contato com o ex-presidente mesmo após ter deixado o posto – ele atualmente está nos Emirados Árabes Unidos.
Em 26 de abril de 2023, Shelley enviou a Bolsonaro um vídeo e imagens de uma inovação tecnológica de Israel, um tipo de carne produzido em uma impressora 3D.
Bolsonaro respondeu em mensagem de áudio e transmitiu uma saudação ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu: “Fala Shelley.
Realmente é uma revolução né, proteína, carne em 3D.
Parabéns aí pra vocês e vamo ver né qual o futuro dessa máquina aí.
Um abraço e um abraço aí no nosso amigo Netanyahu”.
Shelley, então, faz um convite ao ex-presidente brasileiro.
“Obrigado.
Vou falar com ele amanhã.
Como vc está?
Vem nos visitar?”.
Em seguida, ele diz que bancaria a viagem, sem explicar de onde sairiam os recursos – além de ser embaixador, ele também tinha atuação em Israel como empresário.
“Vou cuidar de você 14 semanas em Israel, vou pagar o custo de sua presença, hotel e tal por 3 pessoas se vc quiser”.
Minutos depois, Shelley corrige o período de 14 semanas, indicando ter se confundido.
“14 dias”.
Bolsonaro responde: “Ô Shelley, obrigado, vou falar com a esposa aí e ver o que ela acha.
Obrigado, um abraço”.
O ex-presidente encaminhou o convite a Michelle, mas ela não deu uma resposta sobre a possível viagem.
Shelley não retornou aos contatos da reportagem.
Preocupação em manter o apoio do agronegócio
Os diálogos de Bolsonaro no início de 2023 mostram sua preocupação em manter o apoio do agronegócio à sua figura, mesmo com o início do governo Lula.
Em uma lista de transmissão do seu WhatsApp, na qual ele disparava mensagens para um grupo de contatos que incluía deputados e outros aliados, Bolsonaro compartilhou notícias sobre a demarcação de terras indígenas e invasão de fazendas pelo MST no governo Lula.
Em seguida, fez críticas à gestão do petista.
“Cada vez mais problemas para o agro”, disse.
“Com Bolsonaro: ZERO demarcações”, complementou.
O tema também foi debatido em uma conversa do ex-presidente com seu ex-ministro e ex-candidato a vice, o general Walter Braga Netto.
Nas mensagens, o general disse a Bolsonaro que iria levantar dados sobre o agronegócio com a ex-ministra Tereza Cristina para serem usados em um evento no qual o ex-presidente participaria no final de abril de 2023, o Agrishow em Ribeirão Preto.
O convite a Bolsonaro para o evento, na ocasião, provocou atritos com integrantes do governo Lula – o presidente cancelou sua presença após saber que o ex-mandatário estaria no evento.
Na conversa, Braga Netto enviou a Bolsonaro o link de um editorial do Estadão que classificou o bolsonarismo como “um risco para o agronegócio”.
O ex-presidente respondeu irritado com uma mensagem de áudio: “Pô, acaso eu é que tô demarcando terra pra índio?
Eu é que tô impulsionando o MST a invadir terras?
Eu que tô fazendo lambança aí fora pra ter problemas com outros países no tocante ao fornecimento de fertilizantes.
É foda né, é sinal que a gente tá bem, se tivesse mal o Estadão não estaria fazendo essa matéria aí”.
Áudio de Jair Bolsonaro encontrado no celular Áudio de Jair Bolsonaro encontrado no celular Empresário do agro emprestou fazenda para hospedar Bolsonaro Bolsonaro contou, em mensagens de WhatsApp enviadas a aliados, que um empresário lhe cedeu sua fazenda durante a viagem a Ribeirão Preto para participar da Agrishow, feira de tecnologia e agronegócio realizada em 2023.
Tratava-se de Paulo Junqueira, que presidiu o Sindicato Rural da cidade e que chegou a ser citado nas investigações da Polícia Federal sobre o ex-presidente.
Mensagens interceptadas pela PF indicaram que Junqueira enviou dinheiro vivo para bancar a estadia de Bolsonaro nos Estados Unidos no início de 2023.
A informação ainda está sob apuração.
Procurado, Junqueira não respondeu.
Em 26 de abril, o ex-ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida enviou uma mensagem a Bolsonaro dizendo que também iria para o evento e perguntando se poderia lhe dar um abraço.
O ex-presidente respondeu por áudio.
“Ô Sachsida.
Vou domingo pra lá, vou dormir na fazenda lá do Paulo Junqueira e segunda de manhã tô na Agrishow.
Vamo lá, te boto lá, eu não tô mandando muito não, mas consigo te botar lá no palanque comigo.
Valeu”.
Áudio de Jair Bolsonaro enviado para ex-ministro
Áudio de Jair Bolsonaro enviado para ex-ministro
No dia 30, o ex-ministro voltou a fazer contato para combinar o encontro.
Bolsonaro, então, lhe convida a visitá-lo na fazenda e disse que daria a senha para a entrada.
“Pode ir até a fazenda lá, apesar de não ser minha a fazenda, eu dou o toque lá no Paulo Junqueira pra tu entrar.
Só não vai poder acho que dormir lá, o resto tudo bem.
Se não der pra dormir tu dorme no chão lá com os cachorro também, da minha parte não tem problema não, tá ok.
Valeu Sachsida”, brincou.
O ex-ministro diz que iria à fazenda quando chegasse em Ribeirão Preto.
“Se quiser ir hoje pra fazenda pode ir, vamo lá você, você é VIP meu aí tá, já falei agora há pouco com Paulo Junqueira sobre caso como o teu, que eu não sou o dono né cara.
Sem problema, tu vai lá e fica com a gente.
Até vê o jogo do Flamengo com a gente lá, desde que torça obviamente contra o Flamengo, tá ok”, afirmou Bolsonaro.
Bolsonaro foi orientado a ser cauteloso com notícias falsas, mostram mensagens As conversas do WhatsApp do ex-presidente indicam que Jair Bolsonaro foi orientado a adotar um tom mais cauteloso com a divulgação de notícias falsas após ter se tornado alvo de investigações da Polícia Federal por causa disso.
O ex-presidente acionava seu assessor Tércio Arnaud Tomaz, que foi apontado como um dos integrantes do chamado “gabinete do ódio”, para checar a veracidade de informações antes de divulgá-las nas suas redes.
No diálogo, Bolsonaro pediu para que ele verificasse um vídeo que mostrava um invasor do Palácio do Planalto no 8 de Janeiro alterando o horário do relógio de Dom João VI.
A imagem passou a ser apresentada nas redes sociais bolsonaristas como uma evidência de que os atos de destruição tinham sido cometidos por pessoas infiltradas, por causa da alteração no horário do relógio.
“Ô Tércio, posso botar pra frente esse vídeo do relógio?
Tá esquisito aí pô, tá inacreditável.
Vê se eu posso botar pra frente aí”, perguntou Bolsonaro.
Tércio consultou sites de notícias e avisou a Bolsonaro que o vídeo era verdadeiro, mas aquela informação sobre a ação dos infiltrados era falsa.
O assessor lhe faz um alerta inicial: “Tudo que você enviar sobre isso vai causar polêmica.
Sobre esse assunto.
Certo ou errado”.
Depois, Tércio disse a Bolsonaro que poderia divulgar a informação, mas com “cuidado”.
“Presidente, falei aqui com a assessora do Ramagem e ela disse que confere o vídeo.
O cara alterou mesmo.
Então se for disparar aí no zap cuidado pra não te arrolarem mais nesse processo do dia 8, do jeito que tá.
Que pode ser verdade, mas eles vão dizer que tá compartilhando fake news.
Minha preocupação é só essa, tá.
Mas confere, tá.
Valeu”, afirmou.
Mensagem de Jair Bolsonaro a seu ex-assessor Mensagem de Jair Bolsonaro a seu ex-assessor Dias depois, em 2 de maio de 2023, o ex-presidente encaminhou a Tércio uma montagem da tela inicial do Google, que trazia a frase: “Que saudade do Bolsonaro”.
Ele pediu ao assessor que verificasse se a imagem era verdadeira.
“Ô Tércio, confirma aí se é verdadeira essa notícia e dá um retorno pra mim”.
Ele respondeu: “Meme.
Não tá no Google isso”.
Procurado, Tércio não retornou aos contatos.
Fonte: estadao
28/07/2025 10:10