Putin e Modi participam de cúpula organizada por Xi Jinping na China Líderes da Rússia e da Índia estiveram presentes em cúpula que busca promover governança mundial alternativa e tem a presença de outros 20 governantes da Europa.
Crédito: Ricardo Correa de Almeida
Duas potências asiáticas estão envolvidas em uma grande crise diplomática.
Depois que a primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi, sinalizou que poderia contribuir com a defesa de Taiwan em uma potencial guerra com a China, Pequim não perdoou o comentário e lançou uma série de retaliações que podem colocar em xeque as relações entre os dois países.
As declarações da primeira-ministra conservadora não representaram uma mudança de política no Japão.
O país possui territórios que ficam a 110 quilômetros de Taiwan e se preocupa com a própria soberania e o uso de rotas marítimas vitais para sua sobrevivência econômica.
Mas a forma direta que Takaichi se expressou surpreendeu, já que primeiros-ministros anteriores evitaram especificar sobre como Tóquio responderia a uma operação militar chinesa contra Taiwan.
Tudo começou em novembro, quando a primeira-ministra, recém-empossada em outubro, foi questionada pela Diet, o Parlamento japonês, sobre potenciais “situações de risco de vida”, que, segundo a lei japonesa, permitiriam o destacamento de forças militares.
A política afirmou que uma tentativa da China de tomar Taiwan poderia se enquadrar nessa categoria.
💥 Impacto e Consequências
“Ela não disse nada de novo ou inédito, essas discussões já acontecem faz tempo em particular dentro do governo japonês”, aponta Bonny Lin, especialista em Ásia e diretora do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), um think-tank com base em Washington.
“Mas Takaichi é a primeira primeira-ministra a dizer isso publicamente”.
Os comentários da líder japonesa provocaram um turbilhão na China.
Em um comunicado, Pequim exigiu que a primeira-ministra se retratasse e anunciou uma série de medidas diplomáticas e econômicas contra o Japão.
Desconforto diplomático
A relação entre os países é considerada sensível e o pesadelo diplomático deve demorar a passar.
📊 Informação Complementar
A China pediu que turistas chineses ficassem longe do Japão, enviou navios militares para patrulhar águas disputadas e ameaçou suspender intercâmbios econômicos ou diplomáticos com Tóquio.
Os chineses também cancelaram um encontro de alto nível entre autoridades dos dois países, suspenderam a exibição de filmes japoneses e interromperam as importações de frutos do mar do Japão.
As medidas chinesas preocuparam Tóquio, que despachou um diplomata sênior a Pequim para aparar as arestas.
A China é o maior parceiro comercial do Japão, bem como um dos países que mais envia turistas a Tóquio.
No ano passado, os visitantes chineses representaram mais de um quarto de todos os turistas estrangeiros.
Apesar do estrago, Takaichi negou a possibilidade de se retratar e seu governo decidiu dobrar a aposta em sua defesa de Taiwan.
Em uma visita a ilha japonesa de Yonaguni, o território japonês mais próximo de Taiwan, o ministro da Defesa, Shinjiro Koizumi, confirmou a intenção de seu país de prosseguir com planos para instalar mísseis antiaéreos de médio alcance em uma base militar na ilha.
Na semana passada, o Japão disse que enviou jatos de combate após detectar um drone perto de Yanoguni.
Para Bonny Lin, especialista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), a crise diplomática deve modificar as relações entre as duas potências asiáticas.
“Esses países já tiveram outros incidentes recentes em 2010 e 2012 e cada vez que algo acontece eles demoram mais a retornar a normalidade”.
Em 2012, o Japão comprou as chamadas Ilhas Senkaku (Ilhas Diaoyu para os chineses) de um proprietário.
O território também era disputado pela China e os dois países romperam contatos diplomáticos e de segurança por dois anos.
“Acredito que vai levar ainda mais tempo para normalizar as relações em 2025 porque a China é muito mais poderosa agora e Pequim avalia que o Japão está mais fraco”, destaca a analista.
Posição chinesa
A resposta enfática chinesa sinaliza que Pequim deseja intimidar o Japão e promover o seu status de superpotência, segundo analistas entrevistados pelo Estadão.
Desde o começo da crise, a China tem lembrado de conflitos que teve com o Japão, como a Segunda Guerra Sino-Japonesa, de 1937 a 1945, e esbanjado confiança sobre a sua capacidade militar.
Um blog afiliado a uma emissora estatal chinesa apontou que Pequim derrotou Tóquio na 2ª Guerra Mundial, quando era mais pobre do que hoje.
“Agora, não temos apenas uma vontade de ferro, mas também um torrente de ferro”, disse a conta.
As relações entre China e Japão são marcadas por memórias amargas para os chineses, por conta de atrocidade cometidas pelo Exército japonês durante a 2ª Guerra Mundial, incluindo o Massacre de Nanquim, em 1937, quando tropas do Japão realizaram assassinatos em massa e estupros contra chineses, e a ocupação de territórios chineses.
“Para os chineses, a primeira-ministra japonesa está ligada a um militarismo e nacionalismo do Japão que relembra o passado e não agrada”, aponta Bonny Lin.
“Ela é a primeira líder japonesa desde a derrota do Japão em 1945 a promover abertamente, em um contexto oficial, que uma emergência em Taiwan é uma emergência japonesa”.
A China é particularmente sensível em relação ao histórico do Japão em Taiwan, ilha autogovernada que Pequim considera que faz parte de seu território.
O Japão governou Taiwan de 1895 até 1945 e deixou uma elite taiwanesa que se considera mais próxima de Tóquio do que de Pequim.
Por todas essas razões, a China considera o Japão um rival regional e tomou medidas para fortalecer sua posição estratégica contra os japoneses, como o desenvolvimento de sua marinha e um rápido avanço militar, que inclui mísseis balísticos intercontinentais e drones aéreos e aquáticos.
Um exemplo dessa rivalidade foi a parada militar em Pequim para a celebração dos 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial.
O desfile contou com a presença de líderes da Rússia, Índia e Coreia do Norte e foi marcado por diversos elementos anti-Japão.
“Os chineses têm uma visão muito negativa do Japão e os comentários da primeira-ministra apenas aumentaram isso”, aponta a analista.
Japoneses aprovam posição da primeira-ministra Mesmo que o incidente diplomático prejudique a economia japonesa, as declarações da primeira-ministra impulsionaram a sua popularidade, principalmente entre os jovens.
A população japonesa tem nutrido opiniões anti-China, por conta do que consideram um excesso no número de turistas chineses e a expansão militar de Pequim perto de ilhas japonesas De acordo com uma pesquisa conduzida em novembro pelo jornal japonês Yomiuri Shimbun, 64% dos japoneses de 18 a 39 anos aprovaram a postura do governo de Sanae Takaichi em relação à China.
A aprovação geral é de 56%.
Na arena internacional, oficiais dos EUA e Taiwan defenderam a postura de Takaichi.
O embaixador americano em Tóquio, George Glass, ressaltou que o governo Trump apoia os comentários de Tóquio e o governo taiwanês retirou todas restrições a importações de alimentos japoneses como forma de agradecimento.
“Essa preocupação do Japão com Taiwan já existe há algum tempo e os dois países se aproximaram por isso”, avalia Alexandre Uehara, coordenador do curso de relações internacionais da ESPM-SP e especialista em Ásia.
“Ambos enxergam a China como uma ameaça”.
Relação com os Estados Unidos
Apesar do apoio americano ao Japão, os chineses estão tentando cortejar Trump e mover o pêndulo da posição americana mais próximo de Pequim.
No final de novembro, o presidente da China, Xi Jinping, e Trump se ligaram e o líder chinês enfatizou ao republicano que “a China e os EUA lutaram lado a lado contra o fascismo e o militarismo; agora, eles deveriam trabalhar juntos para salvaguardar as conquistas da vitória na 2ª Guerra Mundial.” Xi quis apresentar a China como garantidora da ordem global pós-2ª Guerra Mundial e os defensores de Taiwan como questionadores dessa ordem.
Após falar com o presidente da China, Trump ligou para Sanae Takaichi e pediu que ela tentasse “reduzir as tensões com a China”, segundo informações do jornal americano The Wall Street Journal.
“O objetivo da ligação para a Xi Jinping foi mostrar que é mais produtivo ter uma boa relação entre Estados Unidos e China do que entre EUA e Japão”, aponta Bonny Lin.
“O cortejo de Xi faz parte de uma campanha diplomática global que Pequim está fazendo contra o Japão”.
Saiba mais
Até onde isso vai chegar?
A crise diplomática entre os dois países não tem data para acabar.
A primeira-ministra japonesa não deve se retratar porque sua opinião sobre Taiwan é a posição oficial do governo de Tóquio, apesar da indiscrição com que ela mencionou o tema.
Já os chineses querem deixar claro para todos os países da região que mencionar uma possível defesa de Taiwan tem um custo caro.
“Historicamente a China é um país que sofreu muitas invasões, inclusive do Japão, e por isso se preocupa muito com a sua integridade territorial”, avalia Uehara, da ESPM.
“Taiwan faz parte desse processo de propaganda chinesa sobre integridade.
Qualquer país que questionar a visão chinesa para Taiwan será tratado de forma muito dura”.
Segundo Bonny Lin, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), o governo japonês está tentando melhorar as relações com Pequim nos bastidores, mas a China não está cedendo.
“A China espera que o governo de Takaichi entre em colapso e se isso acontecer talvez a crise se resolva.
Enquanto a primeira-ministra japonesa continuar no poder, nada vai se resolver tão cedo”.
Fonte: estadao
08/12/2025 09:07











