BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes tem baixa expectativa de que o Brasil consiga implementar uma agenda de ajuste fiscal em 2027, após as eleições presidenciais do ano que vem.
Se a vitória for do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele avalia como “zero”a chance de reequilíbrio das contas públicas: “Eu acho que um ajuste fiscal (de Lula) será um tremendo estelionato eleitoral, porque ele não vai fazer campanha nesses termos.
Ele vai fazer campanha prometendo mais coisas”, aposta.
Já em caso de vitória da oposição, Mendes vê uma chance apenas “marginal” de um ajuste efetivo, “que não será suficiente para tirar o País de uma escalada da dívida pública e de uma taxa de juros de equilíbrio mais alta”, diz.
Ele entende que o mundo vive um momento de populismo na área fiscal, com agendas de expansão de gastos nas maiores economias do mundo, e que o debate polarizado das redes sociais torna o quadro ainda mais difícil para que os governantes implementem essa agenda.
O cenário, para ele, é de que o ajuste será feito da pior forma no País: via aumento da inflação (uma forma de calote disfarçado na dívida), com o Banco Central em algum momento “jogando a toalha” do controle sobre os preços.
A seguir, os principais trechos da segunda entrevista da série “Ajuste fiscal: A encruzilhada do próximo governo”, concedida ao Estadão.
O Brasil tem um encontro marcado com o ajuste fiscal em 2027, ganhe situação ou oposição?
Infelizmente, acho que não temos esse encontro marcado, mas a gente deveria ter.
O mundo político brasileiro e o cenário internacional estão sob o signo do populismo.
Ele tem duas características.
A primeira é entregar o máximo de benefícios no curto prazo e não se preocupar com o custo, deixar para frente.
E a segunda é criar inimigos, fazer o “nós contra eles”, criar polarização, dividir a sociedade para mobilizar a militância e conseguir colocar a culpa nos outros do que não está dando certo.
Qual a sua visão em caso de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Se o Lula for reeleito, é zero a chance de ajuste fiscal.
Porque um ajuste fiscal será um tremendo estelionato eleitoral, ele não vai fazer campanha nesses termos.
Ele vai fazer campanha prometendo mais coisas, prometendo passagem de graça, mais aumento de salário mínimo, como fez na última campanha e como tem governado.
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E no caso de vitória da oposição?
Se alguém da oposição for eleito, você tem chance de um ajuste marginal que não será suficiente para tirar o País de uma escalada da dívida pública e de uma taxa de juros de equilíbrio mais alta.
Algum ajuste fiscal você pode ter, mas longe daquilo que é necessário.
Por quê?
Se nós tivermos uma mudança de governo, vai ser algum partido com base no Centrão.
E o Centrão é cliente de políticas de expansão fiscal, emendas parlamentares, benefícios fiscais, tem uma conexão muito grande com lobbies específicos de determinado setor de economia.
Então, você vai ter que ter um trabalho de coordenação do Executivo muito grande, uma capacidade política de criar uma coalisão, de distribuir poder, de fazer as lideranças partidárias enquadrarem os seus deputados e senadores, de forma a fazer reformas.
Aí você teria alguma chance de alguma reforma marginal, mas nem de perto do que precisa ser feito de estrutural para fazer a dívida pública cair e fazer a taxa de juros de equilíbrio cair.
E qual a consequência desses cenários?
O que estamos vendo no cenário internacional?
Uma leniência muito grande com o desequilíbrio fiscal.
Tem o (presidente dos EUA, Donald) Trump aprovando déficits primários grandes, déficit nominal na faixa de 6% do PIB.
A França com a dificuldade muito grande de fazer ajuste.
A Europa tendo que gastar para se rearmar.
Na parte monetária, Trump comandando um assédio ao Banco Central para reduzir taxas de juros.
Quando isso aparece lá fora, acaba se internalizando no Brasil e, com isso, deixa de ter aquela pressão para ajustar.
O que mais te preocupa ao olhar para as contas públicas?
Quando o arcabouço fiscal foi lançado, o Ministério da Fazenda fez uma apresentação em que projetava a dívida bruta para 2026 em 76% ou 77% do PIB, no pior cenário.
Ela vai estar em 83% ou 84%.
Efetivamente, o arcabouço não deu certo.
Além disso, eles criaram uma série de artifícios para gastar por fora do Orçamento, seja liberando dinheiro para fazer operação de crédito, seja criando despesa fora do Orçamento, como o programa Pé-de-Meia.
Somando tudo isso, você está tendo uma expansão fiscal muito maior do que aparece nos números.
Esse é o primeiro ponto.
O que mais?
O segundo ponto é que você não consegue fazer no Brasil um ajuste fiscal radical de um dia para o outro.
Há muita indexação, muita despesa obrigatória, despesas vinculadas ao crescimento da receita.
Tem que fazer ajuste ao longo do tempo.
Mas tem que começar logo, porque dado que não se consegue fazer abruptamente, não se pode esperar chegar uma crise para fazer na crise.
Mas isso parece que acaba tirando o incentivo para o ajuste, porque o custo político é maior do que os ganhos de curto prazo.
Qual seria o item número um dessa agenda de reformas?
Sem dúvida, a política de salário mínimo.
Dar aumentos reais (acima da inflação) todos os anos para o salário mínimo, com o impacto na Previdência e na assistência social, é insustentável.
Isso em dez anos come metade da reforma da Previdência que foi feita em 2019.
Se você parar de aumentar o salário mínimo acima da inflação, corrigir só pela inflação, no primeiro ano o ganho vai ser desprezível, cerca de R$ 15 bilhões.
Mas, no décimo ano, essa diferença vai estar em R$ 240 bilhões.
É melhor trocar o arcabouço fiscal ou tentar inserir despesas dentro do teto da regra?
A sociedade brasileira já provou que não tem maturidade para obedecer teto de gastos.
Teve o teto de gastos no governo Temer, foi furado.
Esse governo fez um outro teto, foi furado.
Não adianta passar um ano discutindo uma nova lei de regra fiscal para, no dia seguinte em que a lei for aprovad,a começar a ser desrespeitada.
O governo tem que partir para as reformas que efetivamente precisam ser feitas.
Quais?
Nós não temos coesão social suficiente para acreditarmos que estamos todos no mesmo barco e precisamos fazer esse ajuste.
Fica cada um querendo passar na frente.
Então, a gente tem que ir para as reformas.
Tem que reformar a política de salário mínimo.
Tem que desindexar despesas em relação à receita.
Tem que reformar o microempreendedor individual, que é uma bomba previdenciária.
Tem que criar mecanismos para evitar novas bombas fiscais, como a recente aprovação da PEC da Previdência dos Agentes Comunitários de Saúde.
A Previdência dos militares tem que entrar na conta.
Regra para os supersalários, revisar benefícios tributários.
A velha história do abono salarial, que não acaba nunca.
Redesenhar o seguro-desemprego.
Tem uma agenda imensa que pode ser feita, mas que é muito difícil de fazer.
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Como os candidatos vão prometer esses tipos de medidas em um mundo polarizado e dominado pelas redes sociais?
É muito difícil.
Você tem que criar o convencimento da sociedade de que aquilo é necessário.
Você tem que fazer o diálogo.
E, nesse ambiente de você querer lacrar em rede social, não há espaço para diálogo.
Lacração não é diálogo.
Então, esse é mais um fator que dificulta muito.
A gente precisa que surja uma liderança que consiga unir Executivo e Legislativo para abrandar essa pressão que vem de fora.
E o papel do Poder Judiciário nessa discussão?
O Judiciário entra de duas formas.
Uma é a politização do Judiciário.
Juízes do Supremo (Tribunal Federal) tomando decisões com um viés político muito forte.
E a segunda é a judicialização de políticas públicas.
Chegam ações no STF ou no STJ (Superior Tribunal de Justiça) questionando determinada política pública e os juízes expandem aquela política pública para outras áreas.
Isso aumenta muito os gastos.
O sr.
é muito crítico ao crescimento das emendas parlamentares.
Elas são parte do problema?
Isso é um fenômeno totalmente brasileiro.
Não existe em outros lugares do mundo nas dimensões que acontecem aqui.
Nos EUA, representa 1% da despesa discricionária (não obrigatória).
Aqui, já passou de 20%.
É o interesse privado eleitoral de cada parlamentar, que captura o Orçamento público.
Você cria um desequilíbrio na competição eleitoral.
Alguém que não é parlamentar vai estar concorrendo contra alguém que está com um bolso cheio de dinheiro para distribuir para o seu eleitorado, ou para beneficiar o financiador da sua campanha.
É preciso que a imprensa continue denunciando todos os dias os casos de corrupção das emendas para conseguir mudar.
E a reforma administrativa?
O deputado Pedro Paulo apresentou um projeto amplo sobre isso.
O projeto do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) é muito interessante porque ele sai desse padrão de um grupo de pressão, de um lobby que foi lá e colocou um projeto na mão de um parlamentar e esse projeto ganhou protagonismo.
Pedro Paulo fez um trabalho de parlamentar com P maiúsculo.
O sr.
fez muito alertas sobre o chamado ‘parafiscal’.
O governo recuou dessas medidas?
O governo está tentando se defender, porque o TCU (Tribunal de Contas da União) acordou.
O TCU está com um relatório para sair, está aguardando a defesa do próprio governo, mas o governo continua fazendo isso.
Ele acabou de lançar um regime especial para data centers que tem mais um mecanismo de criatividade fiscal.
A expansão fiscal existe, a pressão sobre a demanda existe, o aumento sobre os preços existe, a necessidade de financiar a dívida para o governo continua existindo, os agentes econômicos acabam percebendo, a taxa de juros fica alta, mas o governo vai fazendo aquele jogo de engano.
Como que a gente compara isso com o governo Dilma Rousseff?
A grande diferença é que, no período da Dilma, ninguém estava preparado para isso; a sociedade não estava preparada, não estava escaldada.
Então, quando a sociedade percebeu, a coisa já estava em uma dimensão enorme.
Mas a dívida naquela época era de 50% do PIB; hoje, está em 80%.
Não precisa ter um estrago tão grande quanto aquele para ter as mesmas consequências econômicas, porque a gente está em situação pior em termos de finanças públicas.
O que seria esse pior cenário, uma disparada da inflação?
Se não fizer nada, o ajuste é via inflação, não tenho a menor dúvida.
Esse processo vai acontecer por meio de um esgotamento da política monetária do Banco Central.
Em algum momento, o Banco Central vai jogar a toalha, vai reduzir a taxa de juros, vai deixar a demanda correr mais frouxa.
Aí as expectativas ficam desancoradas.
Esse processo é muito rápido.
Há uma corrente de economistas que entende que a culpa da piora do fiscal é do Banco Central, pelo gastos com juros.
Mas se o governo tem déficit primário, ele está se endividando mais, como funciona esse processo?
Se o governo tem déficit primário, ele não está arrecadando o suficiente para pagar a despesa não financeira dele.
Então, ele está tendo que se endividar mais para pagar os juros e o principal da dívida que está vencendo, e também se endividar para pagar o adicional do que ele não está cobrindo nas contas do dia a dia.
Por isso, é preciso voltar a ter superávit primário, não reduzir juros na marra.
O governo atual, de uma certa forma, empurrou o problema fiscal com a barriga.
O próximo poderá fazer isso?
Estou vendo muita complacência do mercado financeiro com a questão fiscal, tanto interno quanto externo.
Eventualmente, o próximo governo consegue empurrar mais um ano (o ajuste), mas essas coisas mudam abruptamente.
As crises não vão se anunciando devagarinho.
Acontece um fato diferente, acontece uma crise fora, aumenta a desconfiança em relação às emergências, e tudo muda.
O Brasil não pode esperar mais para enfrentar essa agenda.
O Brasil fez muitas reformas nos últimos anos: Previdência, trabalhista e agora tributária.
Elas não deveriam ser um anteparo para esse risco de crise?
De fato, fizemos muitas reformas que impediram o País de ir para uma situação tão crítica como, por exemplo, a da Argentina.
Mas elas não garantiram significativo aumento no potencial de crescimento da economia nem o equilíbrio das contas públicas.
Isso se deve, basicamente, a três fatores.
O primeiro é que parte das reformas foi aprovada de forma mitigada.
O segundo é que houve significativas contrarreformas, que desmontaram parte das reformas realizadas, por ação dos três Poderes.
O terceiro é que reformas fundamentais para destravar o crescimento não ocorreram.
Fonte: estadao
04/11/2025 14:26









