Chegar aos 100 anos (de preferência com a saúde plena) poderá deixar de ser raro e quase inalcançável para se tornar algo “totalmente razoável” nas próximas décadas.
A previsão foi feita pelo pesquisador ítalo-americano Valter Longo, gerontólogo e diretor do Instituto de Longevidade da Universidade do Sul da Califórnia (USC), em entrevista exclusiva ao Estadão no início de novembro, durante sua passagem pelo Brasil, onde esteve para participar de evento promovido pelo Instituto Vencer o Câncer.
O que mais chama a atenção na previsão de Longo, no entanto, é o caminho que ele acredita ser o mais viável para tornar-se um centenário: nada de biohacking ou tratamentos malucos para reverter o envelhecimento das células; alcançar os 100 anos será mais factível para quem seguir recomendações baseadas na ciência em três pilares bem conhecidos do público geral: alimentação, exercício físico e sono.
Considerado um dos maiores estudiosos da relação entre nutrição e envelhecimento, Longo ficou mundialmente conhecido ao publicar o livro A Dieta da Longevidade, no qual promove um plano alimentar baseado majoritariamente em vegetais, grãos integrais, leguminosas e gorduras saudáveis, com pouco peixe e mínima carne vermelha.
Seu mais recente livro, Desnutrir o Câncer, Nutrir o Paciente, fala sobre o papel da alimentação – mais especificamente sobre uma estratégia conhecida como dieta que imita o jejum – no combate aos tumores.
Claro que os avanços da medicina terão um papel importante na conquista de uma maior longevidade, já que novos medicamentos e vacinas podem prevenir epidemias e curar doenças potencialmente fatais, mas, para Longo, medicamentos e tratamentos caros, sem a adoção de um estilo de vida saudável, poderão trazer mais anos de vida, mas não necessariamente mais anos com saúde e autonomia.
Na entrevista, o gerontólogo alerta que, embora haja cada vez mais evidências científicas sobre a importância da alimentação, atividade física e sono para a longevidade, poucas pessoas adotam esses hábitos de forma permanente.
“Muitas das coisas que menciono sobre estilo de vida estão começando a haver consenso.
A maioria das pessoas diz: ‘Sim, é isso que você deve fazer’, mas ninguém faz.
Então acho que, para o grupo que seguir isso, atingir uma média de 100 a 110 anos será algo totalmente razoável.
O resto terá sorte se chegar aos 80”, declarou.
Além da alimentação, Longo coloca o exercício físico como segundo pilar fundamental para viver mais e melhor.
Mas, ao contrário da lógica da alta performance, ele recomenda procurar algo que seja fácil de aderir.
“Escolha algo tão fácil e tão simples que você não possa inventar desculpas (para não fazer)”, diz.
Ele próprio segue o conselho: mantém uma bicicleta ergométrica em casa, pedala dia sim, dia não, durante uma hora.
Para o pesquisador, embora a recomendação seja a de adotar um estilo de vida saudável desde a juventude, há ganhos possíveis em qualquer idade.
Ele cita um grande estudo internacional que mostrou que adotar uma alimentação saudável aos 20 anos pode render até 13 anos extras de expectativa de vida.
Mesmo que a mudança ocorra tardiamente — aos 60 ou até aos 80 — ainda há benefícios relevantes, de três a nove anos.
Na entrevista ao Estadão, Longo deu mais detalhes sobre as pesquisas que conduz sobre a ação da dieta que imita o jejum como potencializadora do tratamento oncológico, avaliou a base alimentar do brasileiro (o nossa famoso arroz e feijão) e deu outras orientações sobre como aumentar as chances de vivermos mais anos e com mais saúde.
Leia abaixo os principais trechos da conversa.
Seu mais recente livro lançado no Brasil fala sobre o papel da alimentação no tratamento do câncer.
Poderia explicar como é essa abordagem?
Isso é algo que estudamos para câncer há 20 anos.
Começamos por volta de 2005, com trabalhos em camundongos.
A ideia era fazer uma dieta que imita o jejum para fazer as células cancerígenas e as células normais irem em direções opostas.
📊 Informação Complementar
Se você priva um organismo de comida, se você para de comer, todas as suas células entram em um modo de proteção.
Mas as células cancerígenas, por definição, se recusam a fazer isso.
Elas simplesmente continuam.
E tudo bem, elas ainda conseguem sobreviver se você não fizer mais nada.
Mas, se elas continuam, e você começa a tratar com quimioterapia, imunoterapia ou outros tratamentos oncológicos, elas sofrem muito porque precisam de muito açúcar, aminoácidos, proteínas; precisam de muitos fatores de crescimento.
E tudo isso fica reduzido quando você faz jejum.
Então, de repente, elas se veem sem todas as coisas às quais estão acostumadas.
As células normais entendem isso e param, entram em uma espécie de hibernação.
Mas as células cancerígenas não entendem hibernação.
Isso não é uma opção para elas.
E é isso que exploramos.
Atuamos temporariamente e tentamos matar o máximo possível de células cancerígenas nesses quatro ou cinco dias da dieta que imita o jejum, e depois deixamos o paciente voltar à dieta normal.
Isso começou em camundongos e, nos últimos 10 ou 12 anos, têm sido feito ensaios clínicos com humanos.
E para quais tipos de tumor há evidências de benefícios?
Laboratórios já investigaram para câncer de fígado, colorretal, de mama triplo negativo, melanoma, pancreático — isso em camundongos.
Em pacientes, a maioria desses já foi testada, mas apenas em um número limitado de ensaios clínicos randomizados.
O mais avançado é no câncer de mama triplo negativo.
Temos dito: “Se você pode esperar, não mude nada”.
Mas, mesmo que você não tenha um tipo de câncer que a dieta já tenha sido amplamente testada clinicamente, converse com seu oncologista para avaliar a inclusão da dieta como parte do tratamento.
Isso é um ponto importante: o que vocês propõem com essa dieta não é substituir os tratamentos padrão com quimioterapia, radioterapia e imunoterapia, certo?
Ela seria algo complementar, algo a ser adicionado?
Sim.
E nem estou sugerindo adicionar até que você esteja com um câncer em estágio avançado e seu oncologista diga: “Olha, parece que estou te dando isso, mas provavelmente não vai funcionar”.
Esse é um bom momento para falar com o oncologista e dizer: “Bem, se você já acha que isso não vai funcionar, podemos tentar isso mais a dieta que imita o jejum?”.
Então acho que somos muito cuidadosos na forma como abordamos isso.
Não estamos dizendo para tentar alternativas e recusar o tratamento padrão.
Estamos dizendo que os medicamentos padrão podem se tornar muito melhores – pelo menos em muitos pacientes – com essa intervenção.
Você vem estudando essa dieta que imita o jejum para combater o câncer há muitos anos.
O que ainda falta para que essa abordagem seja adotada de forma mais ampla?
É mais uma questão de esperar evidências científicas robustas, ou existe algum tipo de resistência da comunidade médica em ver a nutrição como um pilar do tratamento?
Acho que é mais do que resistência.
Acho que há muito dinheiro no mundo do tratamento oncológico.
Então, a comunidade médica, mas também a comunidade científica, está toda estruturada para produzir medicamentos contra o câncer.
Acho que todo o resto é quase colocado de lado e não levado a sério, até um pouco discriminado.
Por exemplo, três ou quatro anos atrás, montamos um grande projeto com todos os principais centros de câncer dos Estados Unidos — MD Anderson, Universidade da Califórnia em São Francisco, Cleveland Clinic.
Submetemos o projeto duas vezes, e duas vezes fomos ignorados.
Deveríamos ter muitos mais ensaios clínicos.
Estamos fazendo isso há 20 anos.
Imagine, com o tipo de resultados que temos (em modelos animais), deveria haver centenas de ensaios clínicos.
Mas há talvez uns dez.
Além de pacientes com câncer, quais outros grupos da população você acha que poderiam ter benefícios com a dieta que imita o jejum e por quê?
Vemos vantagens para diabete, pré-diabete, obesidade, doenças autoimunes.
Também vemos melhora cognitiva em modelos animais.
Em humanos, a demonstração mais forte até agora é em diabete e pré-diabete.
Seu livro anterior ganhou muito destaque por propor o chamada ‘dieta da longevidade’.
No Brasil, a base da nossa alimentação diária é arroz, feijão, uma proteína geralmente animal e salada.
Você considera isso uma alimentação saudável?
Ou vê alguma maneira de melhorar esse prato para que ele fique mais alinhado com a sua ‘dieta da longevidade’?
Acho que dá para melhorar muito.
E isso não vale só para o Brasil.
Na Itália, por exemplo, agora ninguém faz mais a dieta mediterrânea.
Então a maioria dos países não está seguindo uma boa alimentação.
É proteína animal demais, gordura animal demais.
Acho que a dieta ideal, se você olhar para muitos estudos, incluindo estudos com centenários, estudos epidemiológicos, clínicos e estudos com animais, a dieta ideal é: muitas leguminosas, muitos grãos integrais, como pães integrais, cereais integrais etc., e castanhas.
E, claro, vocês têm bastante disso no Brasil.
E muito pouca ou nenhuma carne vermelha até os 65 ou 70 anos.
Depois dos 65 ou 70, acho que a dieta mediterrânea clássica, que permite mais carne (branca e vermelha), é aceitável.
Mas dos 20 aos 70 anos, entre as pessoas que vivem mais, aquilo que parece ser comum nesses grupos é o consumo muito baixo de carne vermelha, com um pouco de peixe.
Acho que dá para melhorar muito (a alimentação brasileira).
A maioria dos países não está seguindo uma boa alimentação.
É proteína animal demais, gordura animal demais
E, além da alimentação, quais você vê como os pilares mais importantes para uma vida longa e saudável?
Exercício, com certeza, em segundo lugar.
E sono, em terceiro.
Oito horas de sono.
A maioria das pessoas não percebe que há vários truques para dormir oito horas com qualidade: ter um quarto completamente escuro, silencioso, um ambiente relativamente frio, algo como 19°C a 20°C, não se expor à luz antes de dormir, não comer nas três horas que antecedem o sono.
E o exercício: 150 minutos por semana, dos quais uns 15 minutos devem ser mais intensos.
Se você treina três vezes por semana, você deve tentar, em cada sessão de 50 minutos, ter cinco minutos em que realmente se esforça, porque o coração e o sistema vascular parecem ser treinados tanto nesses cinco minutos quanto nos outros 45.
Muitas pessoas gostariam de ter hábitos mais saudáveis, mas têm dificuldades de adotá-los pelo ritmo corrido da vida e pelas inúmeras demandas profissionais e pessoais.
Você também tem um trabalho demandante e vive em uma grande cidade (Los Angeles).
Gostaria de saber como é a sua rotina e do que nunca abre mão em nome da saúde.
Eu nunca deixo de fazer a ‘dieta da longevidade’.
Mesmo quando estou viajando, eu como salmão com um pouco de legumes, espinafre, algumas batatas.
Eu até como churrasco ou presunto de vez em quando, mas tento deixar para ocasiões especiais.
Se alguém me oferece um bife duas vezes por ano, tudo bem, eu como.
Eu me exercito dia sim, dia não, por uma hora.
Eu posso dizer para as pessoas se exercitarem, fazerem treinos disso e daquilo, mas a maioria vai fazer por seis meses e depois desistir.
Então o que eu recomendo é: tenha uma bicicleta ergométrica em casa.
E coloque uma resistência alta, como se estivesse subindo uma ladeira.
É isso que faço dia sim, dia não, mas faço em casa.
Porque posso estar em uma reunião enquanto estou pedalando.
Assim, não tenho desculpa.
Meu conselho é: faça algo tão simples e tão fácil que você não possa inventar desculpas.
Está ali.
A bicicleta está ali.
Você não precisa ir a lugar nenhum.
Você tem uma hora — pode ler um livro, pode fazer uma reunião —, mas faça a hora completa e faça de um jeito difícil.
Caso contrário, não adianta.
Você precisa suar.
E, quando se acostuma mentalmente, não tem mais desculpa.
Aí você consegue fazer isso até os 90 anos.
E o que os estudos mostram sobre adotar hábitos mais saudáveis em idades mais avançadas?
Ainda assim a pessoa pode ter benefícios significativos?
Sim.
Um grande estudo norueguês, que analisou China, Europa e Estados Unidos, mostrou que a mudança apenas da parte alimentar, priorizando leguminosas, grãos integrais e castanhas e com baixo consumo de carne vermelha, a partir dos 20 anos, está associada a até 13 anos a mais de expectativa de vida.
Agora, se você começar aos 60, tem aumento médio de expectativa de vida de 8 a 9 anos.
E se começar aos 80, ainda assim, aumento de 3 a 4 anos.
Então, claro, se você começa aos 20, o efeito é grande.
E depois vai diminuindo.
Mas ainda é muito bom.
Se começa aos 60, ainda obtém quase todo o benefício.
Então, sim, você pode mudar a qualquer momento, e pode funcionar.
Você acredita que algum dia poderemos parar ou reverter o envelhecimento?
Ou acha que os estudos sobre longevidade tratam mais de garantir que vivamos de forma saudável na velhice?
O que nós fazemos – e a grande maioria das pessoas que trabalham na área faz – é tentar fazer as pessoas viverem até 110 anos com saúde, ou até 100 com saúde.
Esse é o objetivo.
Acho que provavelmente ainda mantemos o recorde de 25 anos atrás, quando fizemos um organismo simples viver 10 vezes mais.
Então, claro, se conseguimos fazer um organismo simples viver dez vezes mais, é uma questão de tempo até conseguirmos fazer seres humanos viverem muito mais.
Mas ainda estamos longe disso.
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Sempre digo: leva muito tempo até criar um novo medicamento para uma doença.
Demora décadas.
Então, mesmo que hoje descobríssemos como fazer as pessoas viverem duas vezes mais, levaria décadas até implementarmos isso de forma segura.
O foco agora é: vamos chegar aos 110.
É extremamente difícil, mas essa é a beleza.
É um desafio.
Você diz: “Vou fazer tudo que for possível para tentar chegar lá”.
E, se você morrer antes, pelo menos sabe que nada deixou de ser feito.
Já temos registros de pessoas que passaram dos 110 anos, mas isso ainda é totalmente uma exceção.
Você acha que, em breve, ultrapassar os 100 ou 110 anos será algo tido como comum?
Acho que sim.
Mas, se você olhar a Itália, por exemplo — eu vi os dados recentemente —, os italianos, nos últimos 20 anos, ganharam cerca de dois anos e meio de expectativa de vida, mas perderam dois anos e meio de vida saudável.
Ou seja, essencialmente, os italianos, como o resto do mundo, estão vivendo mais, porém mais doentes.
E o período de vida com doenças está ficando cada vez maior.
Estamos mantendo as pessoas vivas com muitos medicamentos e tratamentos muito caros.
Os governos vão quebrar tentando manter as pessoas vivas até os 100 anos tomando três, quatro, cinco, seis medicamentos por dia, com várias doenças crônicas.
Isso é insustentável.
Agora, se você adotar todas as recomendações sobre dieta, exercício, sono, conseguimos chegar perto disso.
Acho que teremos duas populações no mundo: uma vai viver o mesmo que hoje ou menos, com um período de doença muito longo.
E outra (provavelmente um em cada dez) vai dizer: “Vou seguir todas as recomendações reais, aquelas sobre as quais existe algum consenso”.
Muitas das coisas que menciono sobre estilo de vida, sono e exercício estão começando a haver consenso.
A maioria das pessoas diz: “Sim, é isso que você deve fazer”, mas ninguém faz.
Então acho que, para o grupo que seguir isso, atingir uma média de 100 a 110 anos será algo totalmente razoável.
O resto terá sorte se chegar aos 80.
Fonte: estadao
06/12/2025 17:39











