Brasileiras que foram presas após malas trocadas em Guarulhos cobram medidas de segurança
Vítimas participaram de Comissão na Câmara dos Deputados em dezembro de 2024.
Crédito: TV Câmara/YouTube
Investigação da Polícia Federal identificou como agia a quadrilha que trocava etiquetas de malas no Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Foi esse grupo o responsável pela troca de bagagens de duas goianas que viajavam para a Alemanha e acabaram presas em 2023.
A quadrilha tinha um grupo de WhatsApp chamado ‘Irmandade’.
Lá, se comunicavam em códigos como: ‘futebol’ era a expressão para a operação, ‘bola’ significava mala com droga, ‘café’ para o pagamento e se dirigia ao chefe oculto como ‘manteiga’.
No dia 22, a PF fechou o cerco com a prisão de Renato Machado em um apartamento de cobertura de um prédio em Guarulhos.
Segundo a investigação, Renato seria o chefe ao qual os suspeitos se referiam como ‘manteiga’.
A defesa de Machado afirma que as provas contra ele são frágeis e sua prisão preventiva viola o princípios da presunção de inocência.
Diz também prever medidas judiciais contra os responsáveis por “essa injustiça”.
Em nota, a Gru Aiport, concessionária do aeroporto, diz que provê a infraestrutura necessária para inspeção de bagagens, dá acesso a imagens online às autoridades e afirma prever mais tecnologias de segurança.
Conforme a investigação, à qual a reportagem teve acesso, ‘Irmandade’ era o nome do grupo de diálogo em que os suspeitos agiam de forma rotineira, combinando formas de enviar drogas para o exterior.
Eles fizeram remessas, por exemplo, para Paris e Lisboa.
Em uma das conversas, na véspera da remessa de drogas para Paris, em março de 2023, Tamiris Macedo da Silva Zacharias, uma das suspeitas já condenadas, explica que a melhor maneira de fazer a troca seria dar entrada com as malas no status ‘rush’, que não passa pelo trâmite normal de uma bagagem despachada.
No processo, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que Fernando Reis de Araújo, o ‘Brutus’, dividia a liderança do grupo criminoso com Gleison Rodrigues dos Santos, o ‘Vovô’.
“Ele participou em diversos casos de despachos de malas recheadas com cocaína, além de negociar o serviço de tráfico, aliciar outros envolvidos, realizar pagamentos e ceder celulares para a comunicação entre os membros do grupo, encarregados de atuar dentro do aeroporto”, diz o MPF.
Conforme a investigação, ‘Brutus’ trocava de celular constantemente para dificultar sua identificação.
No período investigado, usou quatro números diferentes.
No depoimento, Araújo negou que ele e Santos fossem líderes das operações, dizendo que os verdadeiros chefes seriam pessoas “muito ricas e que não permitem qualquer aproximação”.
Araújo se disse “peixe pequeno no meio desse aquário” e fez referência a uma conversas com o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Quadrilha conhecia sistemas de aeroporto A investigação durou dois anos e apontou uma quadrilha estruturada, com grande conhecimento do sistema operacional do aeroporto, o que facilitava a cooptação de funcionários para despachar cocaína para a Europa.
A PF começou a desvendar o esquema ao analisar imagens de câmeras após a prisão das brasileiras na Alemanha.
Embora a troca das etiquetas fosse feita em um ponto cego, fora da visão das câmeras, foi possível estabelecer o percurso das malas até o local e identificar quem teve contato com as bagagens.
Os dados foram cruzados com duas investigações que já estavam em andamento referentes aos outros casos.
Foi possível identificar que as mesmas pessoas que encaminharam as malas das brasileiras presas na Alemanha estavam nos despachos de malas com cocaína para Paris, em 3 de março de 2023, e na remessa de 86 kg da mesma droga para Lisboa, em outubro de 2022.
Segundo a PF, após as primeiras prisões e com acesso aos celulares, a hipótese do crime se confirmou e foi possível entender a estrutura da quadrilha.
Vovô e Brutus seriam ‘donos do serviço’, ou seja, para a droga ser exportada do aeroporto precisaria passar por eles.
Eles faziam o recrutamento e organizavam todo fluxo, mas quem mandava na droga era o ‘manteiga’ – Renato Machado, segundo a PF.
Carolina servia como recrutadora, além de olheira no momento da chegada da droga e envio para a área restrita.
Foi ela quem recrutou Tamiris e seu celular continha o maior número de conversas, além de imagens do dinheiro usado para pagar o grupo.
A defesa dela diz que não há provas para a condenação.
Em um dos áudios enviados por Araújo a Carolina, ela diz: “Acabei de falar com o Vovô, ele está articulando uma paradinha lá pra nós e vai mandar aqui, tá bom?” Rodrigues apagou muitas mensagens do celular antes de ser preso, mas a PF salvou a conversa em que ele e Carolina comemoram o envio da cocaína.
“Coisa linda, meu Deus”, escreveu ela.
Em conversa com sua mãe, Carolina diz que está no aeroporto esperando decidir se vai ter outro futebol – código para o despacho de bagagem com entorpecentes, segundo a PF.
“Estou aqui fora esperando a Tamiris mandar a ‘bola’”.
A bola seria referência à mala com droga, segundo a polícia.
Em outro ponto, ela fala com o ‘Vovô’ e pergunta se tem algum trabalho para fazer.
“Mano, eu to desesperada aqui.
Aquela bola da semana passada, ela tá ainda aí?
Ela já foi?
Como é que tá?
O cara lá falou que ia dar o café também, tem alguma novidade, alguma posição.” Para a PF, ‘café’ seria o pagamento.
As conversas se tornaram tão rotineiras que os envolvidos passaram até a usar os códigos na forma abreviada, como nesta mensagem de Araújo a Carolina: “Talvez é hoje o fut (futebol).
Vocês tão aí hoje?”
Quando Tamiris foi presa, os demais envolvidos se estressaram, mostra a mensagem de Carolina.
“A Federal pegou a Tamiris, quando ela entrou no aeroporto, os caras pegaram ela lá foram para conversar e desapareceu, sumiu do mapa.
Eu falei, vai apertar a Tamiris até…
f…u, f…u”.
Quando a PF cumpria mandado de busca e apreensão contra Rodrigues, foi necessário forçar o portão para entrar porque ele estava quebrando os celulares.
O suspeito destruiu dois aparelhos, numa tentativa de eliminar provas, segundo a polícia.
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Mesmo assim, os agentes apreenderam outros quatro telefones no local.
PF vê suspeita de elo com PCC
Seis dos investigados foram denunciados pelo MPF e julgados pela 6ª Vara Federal de Guarulhos, que condenou os suspeitos a penas de sete a 39 anos.
Tamiris foi julgada em outro processo, recebendo pena de 3 anos e 4 meses de reclusão, que cumpre em regime domiciliar.
Foi considerado que ela colaborou com a Justiça.
O magistrado federal Marcio Augusto de Melo Matos diz na sentença que o mesmo grupo criminoso atuou em ao menos três episódios, com remessas de cocaína para Alemanha, França e Portugal.
“O tráfico previa, como método, a aposição de etiquetas de passageiros inocentes em malas contendo elevada quantidade de cocaína, demonstrando personalidade desprovida de constrangimento ou hesitação em relação à possibilidade de prisão de outros cidadãos no estrangeiro”, diz, na sentença.
À PF, faltava ainda localizar ‘manteiga’, citado como um dos “elementos superiores na cadeia criminosa, que permanecem em posição mais segura e não põem as mãos nas malas, mas ainda assim lucram intensamente com o tráfico”.
O suspeito não era funcionário do aeroporto nem de empresas aéreas, mas tinha contatos que permitiam a ele coordenar a distância o envio da droga.
Segundo a PF, era ele quem escalava as pessoas para cada etapa do processo.
O homem a quem o grupo se referia como ‘manteiga’ tinha acesso aos voos para os destinos onde pretendia enviar a droga e passava as tarefas de cada integrante do esquema.
Era também quem pagava pelos serviços.
No celular de Renato, a PF encontrou conversas com ameaças a um suposto delator, referindo-se a ele como “cadáver ambulante”.
A polícia cita “suspeita de ligação com o PCC, o que ainda deve ser aprofundado”,.
Veja os condenados e as penas:
– Gleison Rodrigues dos Santos, o Vovô, pegou 39 anos, 8 meses e 10 dias em regime inicial fechado.
Procurada pela reportagem, a defesa não retornou.
No processo, os advogados dizem que a acusação é improcedente e destacam a primariedade do réu e seus bons antecedentes
– Fernando Reis de Araújo, o Brutus, foi condenado a 26 anos, 3 meses e 23 dias em regime inicial fechado.
Procurada, a defesa não retornou.
No processo, negou o envolvimento na remessa das malas para Frankfurt ou com o tráfico.
– Matheus Luiz Melo da Silva, o Man, recebeu pena de 8 anos e 2 meses em regime semiaberto.
A defesa diz que não há provas contra ele e espera que isso seja reconhecido em grau de recurso.
– Eubert Costa Ferreira Nunes, o Bahia, foi sentenciado a 8 anos e 2 meses em regime semiaberto.
Procurada, a defesa não se manifestou.
– Charles Couto Santos foi condenado a 7 anos em regime semiaberto.
– Para a defesa, o recurso deve considerar a falta de provas da associação dele com o delito de tráfico.
– Carolina Helena Pennacchiotti foi condenada a 16 anos e 4 meses em regime inicial fechado.
A defesa diz que não há provas nos autos que sustentem sua condenação ou comprovem a participação dela no tráfico de drogas, o que espera que seja reconhecido no recurso.
Fonte: estadao
29/07/2025 16:33