O espólio Futuro ‘morto-vivo’ no Exército, Bolsonaro já está sendo enterrado vivo na política — Ó Deus, ó Deus do poder… — balbuciava a mulher com um pano verde-amarelo desbotado sobre os ombros, vagueando diante da portaria do condomínio onde vive Jair Messias Bolsonaro, a 15 quilômetros do Supremo Tribunal Federal.
Ele completou um mês em prisão domiciliar, à espera da sentença no julgamento por crimes contra a Constituição, inclusive tentativa de golpe de Estado.
Sabe que vai precisar de um milagre para se livrar da prisão e continuar no jogo político a partir da primavera, que começa em duas semanas.
As chances, porém, são próximas de zero e, como dizia durante o pandemônio governamental na pandemia, “sou Messias, mas não faço milagre”.
📌 Pontos Principais
A algema eletrônica no tornozelo esquerdo denuncia em tempo real cada um dos seus passos nos 400 metros quadrados da casa com dois andares, piscina e jardim.
O aluguel do imóvel custa cerca 12 000 por mês.
É valor similar ao que ele recebe do Exército por ter sido reformado como capitão há 37 anos, sob acusações de terrorismo na Vila Militar, no Rio.
Se condenado, como é provável, Bolsonaro deve ser submetido ao silencioso ritual de desonra das Forças Armadas, na companhia dos demais oficiais acusados na trama golpista.
📊 Fatos e Dados
Seriam retirados da folha de aposentados e transferidos à lista de “mortos-vivos”.
A burocracia mantém no orçamento da caserna um lugar reservado aos “mortos fictos” — aqueles punidos com a morte simulada por expulsão, despojados do posto e da patente.
Há cerca de 1 000 expelidos, que custam 20 milhões de reais por ano à sociedade.
Ele “tem consciência” do futuro no ostracismo, dizem aliados como Ricardo Araújo, vice-prefeito de São Paulo que viajou a Brasília na semana passada para visitá-lo: “Sabe que está sendo enterrado vivo e já estão disputando o seu espólio político”.
Há quem veja nessa situação um complicador familiar, como escreveu Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, para quem Bolsonaro é vítima “das aspirações de parte dos seus familiares, loucos para herdarem seu espólio eleitoral, sem ter qualquer noção da realidade política”.
“Futuro ‘morto-vivo’ no Exército, Bolsonaro já está sendo enterrado vivo na política” Artífice de negociações frustradas sobre anistia no Congresso, Cunha jogou a toalha: “O filho de Bolsonaro (Eduardo, deputado federal) produziu um tarifaço à revelia do pai, ao que parece, que só tem a consequência de causar raiva na população, que perderá emprego e renda com isso.
Assim como inviabilizou qualquer solução política para o caso do pai, pois ninguém vai ceder a essa situação debaixo de chantagens.
Se já estava difícil a aprovação de uma anistia, agora ficou mais difícil ainda, não se tratando somente de se colocar ou não em votação.
Na realidade, hoje se trata mais de se ter os votos para isso”.
Há muito barulho sobre anistia.
📊 Informação Complementar
Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, recomenda observar esse movimento na perspectiva do teatro político: “A direita e o bolsonarismo vivem um dilema que pode ser resumido assim: os partidos do Centrão querem os votos de Jair Bolsonaro, mas não sua liderança”.
Na Câmara é notória a tendência de rejeição a confronto com o Supremo, mas o caso do ex-presidente não se resume a isso: “É porque, quando for votar, cada deputado terá de dizer se é contra ou a favor de Bolsonaro”.
As pesquisas sugerem que pode não ser bom negócio para parlamentares ansiosos com a reeleição em 2026.
Nas sondagens de agosto da Quaest e Ipsos, a maioria dos eleitores (55%) anuncia repúdio à ideia de votar em Bolsonaro, assim como declara (53%) rejeição a Lula.
Quase metade (47%) diz ter medo “da volta” do ex-presidente, que já está inelegível até 2030, ou de seu adversário petista “continuar no governo” (39%).
Lula, no entanto, aposta que a confusão criada pelo tarifaço de Donald Trump em apoio ao bolsonarismo vai ajudá-lo a conquistar o quarto mandato, permanecendo no poder até os 85 anos idade.
Ampla maioria (67%) dos eleitores dos oito Estados com maior colégio eleitoral acha que chegou a hora de o ex-presidente “apoiar outro candidato”.
Porém, metade ou mais se recusa a votar em alguém do clã Bolsonaro: a ex-primeira-dama Michelle tem pouco menos rejeição (50%) do que o deputado Eduardo (56%) e o senador Flávio (55%).
Com habilidade, o governador paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos, se candidata a “herdeiro” do eleitorado identificado como bolsonarista.
A pretexto de articular um hipotético perdão, ele se legitimou como personagem central na discussão dos partidos sobre o futuro pós-Bolsonaro.
Mais adiante, Tarcísio precisará escolher se quer ser o representante da extrema direita ou da centro-direita.
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Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960
Fonte: veja
07/09/2025 08:19