Fábrica clandestina de fuzis do CV é encontrada pela PM e PF no interior de SP; dois são presos Imóvel na cidade de Santa Bárbara D’Oeste tinha mais de 40 armas em fase de acabamento para serem entregues ao Comando Vermelho.
Crédito: PMSP
Era outubro de 1990 quando um assalto a um prédio nos Jardins despertou a atenção do Serviço de Inteligência da Polícia Militar.
Havia ali algo diferente no modo de ação dos criminosos.
Para os PMs não havia dúvidas: todas as pistas levavam a uma quadrilha do Comando Vermelho (CV), a primeira grande organização criminosa surgida no País.
Em dezembro daquele mesmo ano, policiais da Rota mataram quatro traficantes cariocas, que haviam se instalado na Cidade Tiradentes, na zona leste.
Comandados por Jair de Oliveira Castro, o Tio, os bandidos estavam recrutando homens no conjunto habitacional, a quem distribuíram armas pesadas.
Passaram a cobrar “taxa de proteção” dos moradores e a expulsar dali ou matar quem se opusesse.
Em janeiro de 1991, dois assaltantes de condomínios foram presos pela polícia e confessaram que repassavam ao CV 10% do que obtiveram em assaltos nos Jardins e em Pinheiros.
🌍 O Cenário Atual de estadao
Na época, parte da droga consumida em São Paulo vinha do Morro Dona Marta, no Rio.
E chegava ao Estado pelo litoral.
Traficantes de Mongaguá e de outras localidades da Baixada Santista logo estabeleceram ligações com os cariocas.
Em 3 agosto de 1992, um novo assalto, desta vez em um flat, nos Jardins, terminou em tiroteio, morte e prisões.
Dois bandidos foram mortos e outros três detidos, um dos quais tinha tatuado as iniciais da facção em seu braço.
A repetição dos casos, fez o Serviço de Informações da PM concluir naquele ano: “Em caso de instalação do Comando Vermelho em São Paulo, o grupo utilizar-se-á de pessoas ligadas ao crime, principalmente, traficantes paulistas, evitando o envolvimento de criminosos de seu estado, exceto na fase de recrutamento.” Naquele mesmo mês de agosto, a inteligência da PM produziu o documento Crime Organizado – Comando Vermelho.
Era o primeiro do tipo.
Em 13 páginas, ele descrevia não apenas a atuação da facção no Rio bem como as ações de seus integrantes em São Paulo.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) não existia – seria fundado em 1993, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté.
O relatório tem 33 anos, portanto.
Já então, ele dizia: “A estratégia dos traficantes se baseia num binômio: prêmio e castigo, distribuídos conforme a vontade do ’dono do morro’.
Com sentenças de morte em caso de desobediência, exigem o cumprimento das seguintes regras: não delatar, ceder a casa para abrigar o pessoal do movimento durante ação policial”.
Ele continuava, afirmando: “Os tribunais do tráfico julgam não só os traficantes considerados traidores, mas também brigas de marido e mulher podem ser resolvidas (…) Sua economia fatura bilhões de cruzeiros ao ano, suas leis sumárias promovem execuções e extermínio, seu arsenal é mais sofisticado do que o da polícia, seu poder nos morros é incontrolável”.
Após listar as ações conhecidas do CV em São Paulo, o documento concluía que a facção poderia se aliar a bicheiros em São Paulo para, por meio de empresas de fachada, lavar seu dinheiro em postos de gasolina, lojas, restaurantes e casas lotéricas, “instalando-se definitivamente em São Paulo”.
O diagnóstico errou em dois pontos: o crime organizado não precisou dos bicheiros e em vez do CV quem se instalou dessa forma foi o PCC.
No começo dos anos 2000, a antiga parceria entre traficantes da Baixada Santista com o CV entrou em rota de colisão com o PCC.
Em abril de 2005, o grupo liderado por Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, promoveu um sangrento acerto de contas, que começou com a morte de uma dezena de presos ligados ao traficante Sandro Henrique da Silva Santos, o Gulu, enforcado na penitenciária de Mirandópolis.
Pouco depois, foi a vez de Ronaldo Duarte Barsotti de Freitas, o Naldinho, ser decretado pelo PCC.
Naldinho era ligado ao CV.
Nos anos seguintes, a guerra entre as duas maiores facções se espalhou pelo País, sem que o CV voltasse a pôr os pés em São Paulo.
Isso começou a mudar há dois anos.
Primeiro com a relação entre o traficante Emílio Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreira, e a cúpula do Comando Vermelho.
Cigarreira era sócio de Alan Hilário Lopes, o Rala.
Eles chefiavam o tráfico na Vila Cruzeiro, quando o lugar foi ocupado pela polícia do Rio e pelas Forças Armadas, em 2010.
Cigarreira conseguiu escapar do cerco.
Em São Paulo, ligou-se a Anselmo Bechelli Santa Fausta, o Cara Preta, um dos líderes do tráfico internacional de drogas do PCC.
Começava aí uma nova fase na relação entre bandidos do PCC e de São Paulo e do CV.
Foi ela que permitiu que parte das metralhadoras desviadas do Arsenal de Guerra, do Exército, em 2023, em Barueri, na Grande São Paulo, fossem parar com bandidos do CV, no Rio de Janeiro.
Em 27 de dezembro de 2021, Cara Preta foi assassinado no Tatuapé.
Com as mortes que se seguiram, o papel de Cigarreira cresceu na cidade.
📊 Informação Complementar
O bandido chegou a montar uma emissora de rádio com sede na Avenida Paulista, além de organizar a execução do empresário Antonio Vinicius Gritzbach, o delator do PCC, em novembro de 2024, no aeroporto de Guarulhos.
Gritzbach era acusado pela facção de ter mandado matar Cara Preta.
Depois do crime, Cigarreira voltou para o complexo da Penha, uma das áreas invadidas na semana passada pela polícia do Rio.
O bandido ficou por meses escondido no lugar sob a proteção do CV e deixou o lugar antes da operação que deixou 121 mortos, rumando para a Bolívia.
Ou seja, em vez de se aliar a bicheiros para entrar em São Paulo, o CV teria se aliado a traficantes locais ligados ou não ao PCC.
Não é só a presença de Cigarreira que revelaria essa volta do CV a São Paulo.
Ela seria complementada pelo fato de que paulatinamente o PCC estaria abandonando a exploração do tráfico local: as chamadas biqueiras em razão de ter se apropriado de outras atividades muito mais lucrativas, como o tráfico internacional de drogas e o domínio de setores da economia formal, como o de combustíveis.
E, assim, o Ministério Público Estadual e as Polícias Civil e Federal detectaram a presença do CV na região de Americana, de Santa Bárbara D’Oeste, de Araras e de Rio Claro, no interior, expulsando o PCC da região.
Bem como a atuação de criminosos ligados à facção carioca em São José dos Campos e em Ubatuba e Caraguatatuba, no litoral norte.
O mais grave dos casos foi alvo de uma investigação da Delegacia da PF, em Campinas, que descobriu a existência de uma fábrica clandestina em Santa Bárbara d’Oeste, que podia produzir até 3,5 mil fuzis por ano.
Dois bandidos foram presos.
E quase cerca de 40 dessas armas foram apreendidas, além de 30 mil peças.
Os bandidos, que importavam peças de fuzis dos EUA e da China e montavam tudo aqui, passaram a produzir peças com equipamento de alta precisão em uma fábrica disfarçada de indústria aeronáutica.
A região mandava o material para os complexos da Penha e do Alemão e também para os Estados da Bahia, Amazonas e Ceará.
Na região de Rio Claro, o CV se instalou depois que a facção fez uma aliança com o chamado Bonde do Magrelo.
Anderson Ricardo de Menezes, o Magrelo, é o chefe do grupo que passou a desafiar a facção paulista e se uniu ao CV.
Acabou preso em 2023 e foi substituído por Leonardo Felipe Calixto, o Bode, que manteve a aliança com a facção carioca.
E, assim, 20 anos depois do sangrento acerto de contas de 2005 na Baixada Santista, o CV voltou a pôr seus pés em São Paulo.
Ou seja, foi a dinâmica do crime organizado que condicionou essa história em vez da ação do Estado.
E é por isso, que, 33 anos depois, os termos do velho relatório da inteligência policial continuam atuais.
Fonte: estadao
03/11/2025 14:22
			











