Fundador da Vitacon vai a CPI de ‘desvios’ de microapartamentos, mas não depõe; veja vídeo
Comissão investiga destinação de moradia popular a população de maior renda.
Crédito: Câmara Municipal de São Paulo A plataforma Quinto Andar foi condenada, em 1ª instância, a restituir uma cliente que firmou compromisso de compra e venda de apartamento popular sem saber das restrições do imóvel em Moema, bairro nobre da zona sul de São Paulo.
Esse tipo de habitação é construído com incentivos municipais e a exigência de que seja vendido ou alugado ao público-alvo, mas casos com indícios de “desvirtuamento” para pessoas de maior renda ganharam repercussão após apuração do Ministério Público de São Paulo e CPI.
A decisão ocorreu no fim de novembro.
Na sentença, determinou-se que a dona do imóvel e a plataforma devolvam o “sinal” de R$ 31,8 mil pagos pela cliente, que moveu a ação.
O negócio envolvia compra de apartamento de R$ 530 mil, em 2024.
A proprietária também deverá arcar com uma multa de 10% sobre o valor do negócio.
Em nota, a Quinto Andar respondeu que irá recorrer.
Também afirmou que “a veracidade e a regularidade das informações sobre a destinação das unidades são de responsabilidade exclusiva dos empreendedores e proprietários”.
💥 Impacto e Consequências
Na ação, a empresa tem defendido que é apenas intermediária das transações.
O juiz Cassio Pereira Brisola apontou, contudo, que “era esperado que a intermediadora (Quinto Andar) identificasse e informasse, de modo inequívoco, que o imóvel poderia ser enquadrado como habitação de mercado popular“.
Ele destacou que esse enquadramento “não é mero detalhe”, visto que a unidade não pode ser locada para curta temporada ou a pessoas com renda superior à prevista em lei.
“Caracteriza falha na prestação do serviço de intermediação e de diligência”, completou o magistrado, da 1ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros.
📊 Informação Complementar
Como em caso recente envolvendo a incorporadora Cury, foi invocado o Código de Defesa do Consumidor, pois teria ocorrido “falha na prestação do serviço” e “ausência de informação adequada sobre elementos essenciais”.
Esse não é o único cliente da plataforma que relatou supostamente não ter sido informado sobre restrições de imóveis populares anunciados na plataforma.
No site Reclame Aqui, por exemplo, há ao menos sete depoimentos com similaridades, feitos por compradores, interessados e proprietários.
As apurações do MP-SP e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal também apresentaram anúncios no Quinto Andar com imóveis de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação de Mercado Popular (HMP).
Nesses casos, as unidades estariam com valores que consideraram incompatíveis para a política de incentivo municipal.
Em outubro, a CPI aprovou requerimento de pedidos de informação à Quinto Andar.
A lei municipal restringe a venda e aluguel desses apartamentos a famílias de renda mensal restrita: de um a três salários mínimos (HIS-1), de três a seis (HIS-2) e de seis a dez (HMP).
O valor do salário mínimo é de R$ 1.518.
Por que a Quinto Andar foi responsabilizada pela Justiça?
A ação de rescisão contratual envolve um compromisso de compra e venda de um microapartamento com cerca de 30 m², por R$ 530 mil.
A cliente chegou a pagar “sinal” de R$ 31,8 mil em 2024, por meio da Quinto Andar.
Conforme a decisão, a compradora optou pelo distrato ao tomar conhecimento da restrição do imóvel somente dois meses após firmar compromisso de compra e venda.
À época, a matrícula do imóvel não indicava se tratar de um HMP, o que foi corrigido apenas sete meses depois, em 2025.
Na sentença, o juiz Cassio Pereira Brisola apontou “falta de informação clara e adequada acerca das restrições do imóvel importa em violação do dever de informação e em falha na prestação do serviço, nos termos do Código de Defesa do Consumidor”.
Por isso, determinou que o distrato seja feito sem multa contratual.
Já a Quinto Andar alegou, no processo, que sua atuação se limitaria à prestação de serviços de intermediação e diligência.
Também afirmou não ter a responsabilidade de responder pelo o que chama de “eventual arrependimento” da compradora e, ainda, defendeu que não deveria ser condenada a restituir os recursos, por não ser a destinatária final.
Também na ação, a proprietária do imóvel disse ter agido de boa fé e alegou ter fornecido documentos à compradora nos quais haveria a informação de ser uma HMP.
‘Não fazíamos ideia’: casos semelhantes são relatados no Reclame Aqui
No site Reclame Aqui, há pelo menos sete relatos semelhantes aos da ação judicial envolvendo a Quinto Andar.
Essas reclamações foram abertas tanto por proprietários de imóveis quanto por potenciais compradores e locatários.
Em um dos casos, a pessoa disse ter descoberto o enquadramento apenas ao tentar fazer o registro no cartório.
Nas respostas, a plataforma tem dito que o enquadramento como habitação de interesse social é indicado no compromisso de compra e venda.
Em agosto, uma cliente apontou ter descoberto que o imóvel era HIS durante a segunda vistoria, com o proprietário presente.
“Eu e meu marido, que não estamos no dia a dia do mundo de imóveis, não fazíamos ideia do que seria”, relatou.
O casal tinha renda superior à permitida por lei para esse tipo de imóvel.
Ao buscar o distrato, contudo, recebeu a resposta de que o “sinal” já pago não seria devolvido.
“Não nos informaram, em momento algum, que estávamos em desacordo com uma lei municipal”, completou o relato.
Em setembro, outro relato de que as características da HIS não foram explicadas.
“Sendo leiga, assinei sem saber do que se tratava”, disse.
A pessoa alega que foi avisada de que deveria apresentar certidão de enquadramento de renda apenas após pagar o sinal.
Outro relato é de um potencial locatário, de novembro: “a única recomendação dos atendentes é ignorar a lei e assinar o contrato”.
“Expõe ambos seus clientes à insegurança jurídica na locação, não fazendo sua parte de imobiliária e expondo os riscos associados a locação incorreta”, afirmou.
Há, ainda, reclamações de proprietários.
Um desses casos é de uma dona de habitação de interesse social que relatou que seu imóvel seria disponibilizado para locação a uma empresa (que pretendia hospedar pessoas), o que não atenderia às determinações da lei.
“Sou deixada sem proteção jurídica, sendo colocada em risco de sanção pela Prefeitura”, criticou.
Completou, contudo, que acabou alugado a uma pessoa física.
Em nota, o Quinto Andar afirma atuar dentro da lei, que “estabelece que a veracidade e a regularidade das informações e obrigações sobre as unidades HIS e HMP são de responsabilidade exclusiva dos proprietários e empreendedores”.
A empresa diz ainda exigir, para que imóveis sejam anunciados na plataforma, a confirmação dos proprietários sobre a “inexistência de ônus e impedimentos para locação e compra a exemplo do que são os requisitos de HIS e HMP”.
Conforme o Quinto Andar, se o locador indica que o imóvel é habitação popular, a informação é incluída no anúncio.
Por que apartamentos HIS estão sob suspeita em SP?
Em janeiro, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ação contra a Prefeitura, para mudanças na fiscalização do uso de HIS e HMP na cidade.
A Justiça chegou a falar de “negligência” do Município.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que intensificou a fiscalização, com 704 empreendimentos notificados (o que representa 89.348 unidades), com 38 multas aplicadas.
“Em maio, a Prefeitura editou o Decreto 64.244/25, que reforçou os mecanismos de controle e fiscalização da produção de moradia popular para assegurar que as unidades habitacionais subsidiadas pelo Município cheguem efetivamente às famílias que mais precisam”, diz, em nota.
As empresas multadas pela Prefeitura e notificadas por suspeita de “desvirtuamentos” têm dito seguir a legislação em vigor no período de licenciamento dos empreendimentos.
Já as principais entidades do mercado, como o Secovi-SP, têm apontado que eventuais “desvios” são exceções e defendido a importância da política habitacional.
Dados do mercado imobiliário apontam que HIS e HMP são 75% das unidades autorizadas no sistema Aprova Digital (o principal usado pelo Município).
Ambas recebem incentivos municipais atrativos, criados principalmente a partir do Plano Diretor de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016.
Um estudo calculou que a Prefeitura deixou de arrecadar ao menos R$ 1 bilhão com parte dos benefícios concedidos para a construção desses apartamentos.
O levantamento foi feito pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com a Fundação Tide Setubal.
Os pesquisadores destacam que a cifra envolve um dos principais benefícios, assim como não abrange exclusivamente casos suspeitos de fraudes.
Há outros 15 tipos de incentivos municipais construtivos, fiscais e tributários dispostos para HIS, conforme o levantamento.
Nessa política pública, diferentemente de condomínios da Cohab, a venda é feita diretamente pela construtora ou incorporadora.
Não há lista prévia de pessoas priorizadas, exceto em casos específicos, definidos após o decreto de maio.
Em junho, a gestão Nunes publicou novas restrições para coibir desvios da política pública, com limitação dos valores de venda de unidades para HIS e HMP.
São eles: – HIS 1 (renda mensal familiar de até três salários mínimos): R$ 266 mil – HIS 2 (renda mensal familiar de três a seis salários mínimos): R$ 369 mil – HMP (renda mensal familiar de seis a 10 salários mínimos): R$ 518 mil
Fonte: estadao
16/12/2025 09:23









