Separados por mais de três décadas, os filmes Perfume de Mulher e Boa Sorte, Leo Grande apresentam, para mim, duas das cenas mais belas do cinema.
No primeiro, Al Pacino interpreta Frank Slade, um militar aposentado e cego que dança um tango de forma magistral com Donna, interpretada por Gabrielle Anwar; no segundo, Emma Thompson dá vida a uma professora de 65 anos que, em sua jornada de autodescoberta e busca pelo primeiro orgasmo, reconcilia-se com o espelho e aprende a amar sua própria imagem, real e sem filtros.
Essas duas obras ajudam a refletir, em primeiro lugar, sobre o significado de nossa libido.
🧠 Análise da Situação
Elas reforçam, por exemplo, que expressar a sexualidade é algo muito mais amplo do que o ato sexual que, por sua vez, não é explicado apenas pelo encontro de genitais.
Na dança que Al Pacino performa, sua sensualidade ao decifrar o perfume de sua parceira e até mesmo o toque em sua pele são dimensões riquíssimas da sexualidade – e não têm prazo de validade.
Em A antropologia redescobrirá a sexualidade, a antropóloga norte-americana Carole Vance afirma que compreender a sexualidade apenas pela fisiologia dos orgasmos é tão limitado quanto tentar explicar a música somente pela fisiologia da audição — ambos reduzem experiências complexas a processos biológicos, ignorando suas dimensões simbólicas, culturais e emocionais.
📊 Fatos e Dados
Já no longa-metragem com Emma Thompson há uma grande reflexão sobre como desenvolvemos nosso repertório sexual ao longo da vida.
No caso feminino, tal desejo se dá, na maior parte das vezes, em contextos de grande repressão, culpa e sentimento de pecado, o que não só aprisiona como empurra a libido para as margens da vergonha ou do esquecimento.
Sua personagem nunca havia apresentado um orgasmo na vida e evidenciava uma grande dificuldade inclusive para nomear seu desejo e suas vontades.
🧠 Especialistas Analisam estadao
Daí, pergunto: será mesmo que mulheres idosas apresentam menor libido, como muitos imaginam?
Algumas pesquisas apontam que há, sim, um número maior de homens idosos sexualmente ativos do que suas contemporâneas do sexo feminino.
Mas esses dados não refletem a libido nem toda a dimensão que nossa sexualidade pode apresentar.
Muitos homens são incentivados a falar sobre desejo e sexo, enquanto o assunto é repreendido e considerado errado entre mulheres.
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Já fui questionado por mulheres idosas – e mais de uma vez – se, para envelhecer bem, elas precisam obrigatoriamente de sexo.
A resposta é não.
O sexo deve ser prazeroso, íntimo, singular, consensual e opcional – nunca compulsório.
Existem muitas pessoas cuja libido não contempla o sexo, mas que, de alguma forma, mantém a expressão da sexualidade.
Por isso, nada melhor do que focarmos em nos descobrir: onde queremos tocar e ser tocados, de que forma e com quem.
Essas são reflexões singulares que cada um precisa responder ao longo de uma jornada interior.
A personagem interpretada por Emma Thompson simboliza justamente a forma como muitas vezes enxergamos as mulheres idosas e sua sexualidade — como se fossem reprimidas, receosas ou dotadas de uma libido naturalmente menor.
No entanto, essas interpretações ignoram a complexidade do desejo humano, que envolve dimensões emocionais, relacionais, sociais e culturais muito além da biologia.
Como afirma Carole Vance, o órgão mais importante para a expressão de nossa sexualidade está entre as nossas orelhas – ou seja, desejo, atração e fantasia são construções que acontecem em nossa mente, e não nos órgãos genitais.
Fonte: estadao
07/11/2025 18:25









