Planeta chegou a ponto de não retorno na crise climática?
Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, e Paulo Saldiva, da USP, falam de aceleração do aquecimento global.
ARARAQUARA – Cidades no interior de São Paulo têm sofrido com o abastecimento de água nas últimas semanas.
A prefeitura de Bauru descreveu o cenário de abastecimento como precário e citou “seca extrema” ao declarar emergência, enquanto a de Americana citou as chuvas 90% abaixo da média em agosto e setembro.
📊 Informação Complementar
O protocolo de escassez hídrica criado pela SP Águas, em sua última atualização mensal, aponta que em nenhuma região do Estado a disponibilidade hídrica está normal.
Três unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRIs) atingiram o estágio mais elevado, de emergência (roxo): no interior, Rio Tietê/Rio Lençóis e Alto Jacaré-Pepira; no litoral, Vertente Marítima Sul.
A maior parte do Estado está no estágio 2, em alerta (laranja), enquanto cerca de 40 pontos aparecem no estágio 3, crítico (vermelho).
🌍 O Cenário Atual de estadao
O Sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana da capital, registrou nesta sexta-feira, 24, o nível mais baixo do reservatório dos últimos dez anos.
O governo paulista anunciou nesta sexta um plano de contingenciamento que prevê restrição de até 16 horas na pressão nos encanamentos de distribuição de água na região metropolitana de São Paulo, além de medidas mais drásticas como o rodízio no abastecimento e uso do volume morto dos mananciais em casos extremos.
Situação no interior de SP Prefeitura de Bauru fala em “seca extrema” Em Bauru, no centro-oeste do Estado, cidade de 392 mil habitantes a 286 km de São Paulo, a captação do Rio Batalha – responsável pelo abastecimento para 26% da população – chegou ao nível mais crítico deste ano em 2 de outubro: 1,22 m, enquanto o ideal é 3,2 m.
Um dia antes, a prefeitura descreveu o cenário como precário e decretou emergência, levando em conta a “seca extrema”, os incêndios que atingiram o cerrado bauruense e a ausência de recarga da Bacia do Rio Batalha devido à estiagem prolongada, elevando a uma nova escala o rodízio no fornecimento de água, que já se tornou realidade frequente para a população há duas décadas.
No final de agosto, a água era direcionada em um dia para alguns bairros de Bauru e no dia seguinte para os outros.
Diante da piora no início de outubro, a população dos bairros mais afetados passou a receber água em um dia e ficar outros três sem.
Deste modo, o Departamento de Água e Esgoto (DAE) do município estava captando água do Batalha em um dia e deixando o dia seguinte para recuperação.
Foram acionados 22 caminhões-pipa, incluindo os contratados emergencialmente, para levar água a locais prioritários.
Diante da necessidade da população, a prefeitura chegou a distribuir galões de água e autorizou, em caráter emergencial, a construção de dois reservatórios e de adutoras.
A médio prazo, a administração planeja construir quatro poços para reduzir em 50% a dependência do Rio Batalha.
Com a chuva que caiu no meio do mês, o rodízio está menos rígido.
Nesta sexta-feira, 24, o nível da captação amanheceu no ideal, 3,2, mas com tendência de queda.
Poço em condomínio Além dos 42 poços nos quais o DAE já capta água do Aquífero Guarani para abastecer as outras regiões de Bauru, muitos condomínios constroem poços particulares para não depender do abastecimento público.
“Coloquei como prioridade zero ter o poço do condomínio para não ficarmos reféns dos rodízios que acontecem há anos e vêm se intensificando”, afirma Vanessa Silva, que é síndica de sete prédios na cidade.
Vanessa Silva relata que três dos condomínios que administra já contam com poço, enquanto nos três empreendimentos inaugurados recentemente também será implantado poço em breve.
“Minha mãe mora em um bairro aqui do lado e precisou vir tomar banho no meu apartamento por uns seis dias”, comenta.
Nesses poços particulares não há cobrança pelo uso da água, mas é medido o consumo e o DAE faz a cobrança para o uso do sistema de esgoto, equivalente a 65% da tarifa de água.
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Americana: intermitência no abastecimento
Em Americana, a 115 km da capital paulista, a qualidade da água no ponto da captação do Rio Piracicaba diminuiu no período de estiagem.
O departamento local destaca que, por isso, o tratamento da água ficou mais lento e trabalhoso, demandando mais produtos químicos e exigindo mais lavagens dos filtros.
Em vez de cerca de 1.400 litros por segundo, considerado normal, no período mais agudo da crise, no início deste mês, o volume foi reduzido para 900 litros por segundo, e agora está em 1.200.
“Com isso, ainda há intermitência no abastecimento em alguns pontos da cidade em alguns momentos, mas todas as regiões estão recebendo água diariamente”, informa a prefeitura, em nota.
Segundo a administração, o decreto de emergência possibilitou ampliar o reparo de vazamentos e a oferta de caminhões-pipa para atender escolas e unidades de saúde.
“A administração municipal observa que a longa estiagem que atingiu toda a Bacia do Rio Piracicaba em agosto e setembro, com chuvas 90% abaixo da média, afetou uma série de municípios da região, fazendo o governo do Estado declarar situação de emergência hídrica em toda a bacia”, conclui a nota.
Várzea Paulista: fornecimento interrompido
Em Várzea Paulista, a 42 km da capital, em alguns horários do dia o fornecimento de água precisou ser interrompido.
A prefeitura afirma estar em diálogo constante com a Sabesp e destaca que a região ainda enfrenta os efeitos da estiagem, com redução no nível dos mananciais – especialmente o Rio Jundiaí, principal fonte de abastecimento.
Segundo a prefeitura, as chuvas dos últimos dias já contribuíram para melhorar este cenário; ainda assim a administração reforça o pedido de uso consciente da água.
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Crédito: Sabesp/Divulgação O que diz a Sabesp A Sabesp afirma que a redução na pressão noturna é uma medida que tem contribuído para preservar os mananciais que abastecem a capital e a Grande São Paulo.
“Desde o início da iniciativa, em 27 de agosto, foram poupados mais de 25 bilhões de litros, o equivalente ao abastecimento, por dois meses, das cidades de São Bernardo do Campo, Santo André, Mauá e Diadema”, afirma a companhia.
Samuel Barreto, gerente nacional de Água da ONG The Nature Conservancy (TNC), destaca que este ano tem sido bastante desafiador.
“É preciso ter planos de contingência para minimizar e mitigar esses impactos, porque cada vez mais esses extremos climáticos estão acontecendo com maior intensidade, frequência e duração.
Tem também um problema crônico, de forma geral no Brasil, que são as perdas de água, que representam uma média inaceitável de cerca de 40% da água produzida”, afirma.
Ele ressalta a necessidade de modernizar os sistemas de abastecimento e ampliar a segurança hídrica.
Barreto lembra da importância das florestas para que a água da chuva, em vez de apenas escorrer, possa se infiltrar no lençol.
Ele destaca a necessidade de se dar atenção para a proteção de mananciais em municípios que abastecem as bacias, citando o exemplo de Salesópolis.
“É um dos municípios que abastece o Alto Tietê, que leva água para mais de 4 milhões e meio de pessoas, que já tem um programa de proteção de mananciais com pagamento por serviço ambiental, conservando as suas florestas, restaurando essas áreas, promovendo o manejo sustentável do solo”.
Barreto menciona também o programa de proteção e de recuperação de mananciais no município de Piracaia, que integra o Sistema Cantareira na bacia do PCJ, uma importante área que integra o Sistema Cantareira, que abastece quase 8 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo.
Hidrelétricas Com relação ao fornecimento de energia elétrica, a AXIA Energia, antiga Eletrobras, destaca que, no Rio Grande, o reservatório da Usina Hidrelétrica de Furnas está com cerca de 37% de seu volume útil.
Segundo a AXIA, no mesmo período do ano passado, o volume estava abaixo de 31%.
O reservatório da Usina Hidrelétrica de Marimbondo está na elevação 435 metros, 30 centímetros abaixo do que no mesmo período do ano passado.
Estando no final do período seco, a administradora considera que o volume está dentro do esperado e destaca que iniciou projetos para a recuperação de áreas degradadas e recuperação de nascentes na bacia hidrográfica do Rio Grande, com restauração da vegetação e contenção de processos erosivos.
Já o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que mantém o contínuo acompanhamento das condições hidrometeorológicas das bacias que compõem o Sistema Interligado Nacional (SIN) e da situação dos armazenamentos dos reservatórios localizados nessas bacias.
Sobre a geração de energia, o ONS destaca o atendimento à ponta de carga como principal desafio identificado ao longo da transição do período seco para o chuvoso, horário em que a demanda atinge valores elevados, já sem a contribuição da geração fotovoltaica.
Considerando o alto consumo de energia, principalmente por elevadas temperaturas, o operador aponta que pode se chegar a um cenário que exija o acionamento de mais fontes despacháveis, como a geração térmica, para o atendimento do Sistema.
O operador pontua que o Brasil dispõe do Sistema Interligado Nacional (SIN), que possibilita o uso de outras fontes além da hidrelétrica, mas reforça que os níveis dos reservatórios encontram-se dentro do esperado para o final do período seco e a operação do Sistema segue conforme o planejado pelo ONS, visando atender com segurança a carga do SIN.
Fonte: estadao
24/10/2025 19:36











