Os ataques à agenda ESG (que engloba práticas relacionadas ao meio ambiente, ao social e à governança) e o recuo por parte de empresas em práticas relacionadas a ela são uma “oportunidade”, na avaliação do próprio “pai da sustentabilidade”, o inglês John Elkington, sócio da consultoria Volans.
Em 1994, Elkington cunhou o conceito “Triple Bottom Line”, que, em português, ficou conhecido como o “tripé da sustentabilidade”.
O conceito de gestão, que deu a base para a criação do ESG, refere-se à ideia de que empresas devem focar não apenas no lucro, mas também no impacto que causam no ambiente e na sociedade.
Para Elkington, o ESG, após ter se tornado um “frenesi alimentar”, precisa ser repensado, e a crise em torno dessa agenda abre uma oportunidade para isso.
Ele defende que se aproveite o momento para trabalhar não apenas a sustentabilidade dentro das empresas, mas um redesenho dos mercados.
Como exemplo, cita os carros elétricos na Noruega, cujo uso foi incentivado por políticas públicas.
Hoje, 90% dos veículos novos vendidos no país são movidos a bateria.
Sobre o Brasil, Elkington afirma considerar problemático que o País tenha políticos “que pensam que um problema (ambiental e social) não existe”.
Diz também que o País precisa se preocupar com a gestão de seus recursos naturais para se tornar um líder político e de mercado nos próximos 30 anos.
Elkington acrescenta achar “compreensível” que o Brasil explore petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.
Na visão dele, o Reino Unido só impediu a exploração de petróleo por meio do fraturamento hidráulico (fracking) por ser um país rico.
“Em certa medida, podemos nos dar ao luxo de investir em energia renovável.
Então, acho quase inevitável que o Brasil busque essas reservas de combustíveis fósseis.”
Ele destaca, no entanto, preferir que o País optasse por não explorar o petróleo na Margem Equatorial.
“Mas, se isso vai ser feito, é preciso aprender com o que há de melhor para garantir que os padrões sejam o mais altos possíveis, porque o ecossistema amazônico é criticamente sensível.
Em segundo lugar: parte dos lucros precisa ser investida na bioeconomia.”
A seguir, confira os principais trechos da entrevista:
O ESG está sob ataque, especialmente nos EUA.
As empresas também estão recuando dessa agenda?
Sim, o ESG está sob ataque, particularmente nos EUA.
Não acho que isso seja de todo ruim.
O ESG precisa ser repensado.
Essa é uma oportunidade para isso.
Mas a ideologia está forçando muitas empresas a pensar em como usar a linguagem em suas propostas e documentos.
Ninguém quer escrever ‘ESG’, ‘clima’, ‘diversidade’, ‘equidade’, ‘inclusão’ ou ‘gênero’.
É um período louco, um pouco como no período de Joseph McCarthy nos anos 1950 nos EUA, em que os chamados comunistas eram perseguidos.
Mas isso não vai durar para sempre.
Não sei se os EUA voltarão ao que eram antes, mas não vai ser Donald Trump indefinidamente.
Mas há um recuo no setor privado?
Muitas empresas estão usando isso que está acontecendo como desculpa para reduzir compromissos que haviam assumido.
Veículos elétricos, emissões de carbono, diversidade, equidade e inclusão… Em muitas dessas áreas, grandes marcas estão recuando.
Mas, nos bastidores, muitas empresas continuam trabalhando essas questões, porque as veem como centrais para o mercado de amanhã.
O sr.
disse que o recuo não é de todo ruim.
Por quê?
Há algum tempo, o sr.
vem afirmando que é preciso redesenhar mercados.
Essa seria uma oportunidade para isso?
É uma oportunidade para trabalhar em um nível diferente.
O problema com o ESG é que ele se tornou um frenesi alimentar.
De repente, todo mundo queria ter seu próprio fundo ESG.
Alguns eram bons e sobreviverão.
Muitos não eram, e um bom número deles não sobreviverá.
Mas essa é uma oportunidade para repensar não apenas os fundos ESG, mas o que estamos tentando fazer.
Estamos simplesmente tentando limpar e descarbonizar empresas individuais e suas cadeias de suprimentos.
Temos de fazer isso.
Mas frequentemente falamos em limpar peixes e depois colocá-los de volta em águas poluídas.
Se você colocar essas empresas ‘limpas’ de volta a mercados que não as incentivam a fazer a coisa certa, elas voltarão a ser como antes.
Por isso, o redesenho do mercado é uma parte tão importante do desafio.
Agora, isso não vai acontecer da noite para o dia.
O problema com o ESG é que ele se tornou um frenesi alimentar.
De repente, todo mundo queria ter seu próprio fundo ESG
Pode dar exemplos concretos?
Veículos elétricos na Noruega.
O governo priorizou esses carros.
Se você chegasse ao aeroporto de Oslo, por muitos anos, os carros elétricos podiam entrar diretamente.
Os movidos a combustível fóssil tinham de fazer fila.
São pequenos incentivos.
Veículos elétricos também pagam menos no estacionamento.
O resultado é que hoje cerca de 90% dos carros novos vendidos lá são elétricos.
Esse é um exemplo de como, por meio de medidas políticas, você muda um mercado.
Estudos apontam que investir para combater o aquecimento global é mais barato do que lidar com seus danos.
Também indicam que reduzir as emissões do setor privado aumenta a eficiência.
Mesmo assim, as empresas não adotam as medidas de sustentabilidade necessárias.
Por quê?
Porque são preguiçosas.
Não querem pensar nisso.
Mas eu trabalho com isso há 50 anos e vejo um progresso incrível.
Questões que eram completamente estranhas aos negócios naquela época são hoje consideradas normais.
Em 2007, entrei para o conselho consultivo de um grupo chamado EcoVadis.
Eles rastreavam a sustentabilidade de algumas centenas de empresas.
Agora, rastreiam mais de 130 mil companhias.
Então, de repente, todas essas empresas têm informações sobre o que está acontecendo em relação à sustentabilidade de suas cadeias de suprimentos.
É um progresso enorme.
Se você fabrica carros convencionais ou vende energia a carvão, de repente vai se deparar com uma concorrência renovável.
Essa tendência vai acelerar.
Empresas de combustíveis fósseis perceberam que o futuro para elas pode ser sombrio.
Então, estão revidando.
Trump obtém grande parte de seu dinheiro da indústria de combustíveis fósseis.
Mas, não importa por quanto tempo revidem, elas serão varridas do mapa em questão de anos.
Estou realmente otimista em relação à situação atual.
Pessoas mais jovens que trabalham com sustentabilidade não estão vendo isso e estão aterrorizadas.
Tenho de dizer a elas que esta não é a primeira vez que passamos por ciclos.
Qual é o papel do setor privado na redução de emissões?
A sociedade pode esperar que ele tome iniciativas ou precisa esperar que governos direcionem o caminho?
Em lugares onde o governo é ineficaz, seja por ser incompetente, corrupto ou não ter recursos, as expectativas em relação ao setor privado serão maiores, obviamente.
Mas não podemos esperar que empresas liderem a mudança.
Podemos esperar que algumas empresas pioneiras, por diferentes razões, mostrem que é possível mudar e lucrar com isso.
A próxima etapa, e isso é algo em que tenho trabalhado nos últimos 18 meses, é o papel dessas empresas pioneiras em influenciar governos a fazer a coisa certa, a introduzir estruturas que ajudem a moldar os mercados.
Teria exemplos de grandes empresas que estão mudando?
Historicamente, são poucas.
Ben & Jerry’s, Patagonia, Body Shop.
Algumas semanas atrás, estiva na Amazônia, conhecendo projetos da Natura.
Essa é uma empresa que, desde a fundação, é fundamentalmente sobre sustentabilidade.
Acho isso lindo e necessário.
Mas isso não vai mover os mercados convencionais.
Por exemplo, a Mercedes-Benz anunciou que não cumprirá a meta de 100% de veículos elétricos até 2030.
Ela pode decidir o que quiser, mas está decidindo abrir mão de mercado para chineses.
A chinesa BYD está trabalhando um conjunto de trajetórias tecnológicas exponenciais.
Fabricantes de carros europeus e a maioria dos americanos estão presos ao modelo de negócios antigo e às mentalidades antigas.
As empresas estabelecidas não conseguem responder rápido o suficiente para se reinventar.
Um país como o Brasil, que tem poucas grandes empresas manufatureiras reconhecidas como líderes globais, acaba copiando as estabelecidas.
Mas é interessante que, em alguns setores como a bioeconomia, o Brasil tem uma enorme oportunidade de se desenvolver de uma forma diferente.
Como acha que o Brasil deve contribuir para essa mudança para uma economia ‘verde’?
Não é simples.
📊 Informação Complementar
O Brasil é um país enorme e complexo.
Tem divisões sociais e de riqueza profundamente problemáticas, com uma parte da população que não se importa com isso.
Então, a primeira coisa a dizer é que, em um país assim, é problemático ter políticos – como todos nós temos agora – que pensam que um problema não existe.
O Brasil precisa prestar mais atenção não apenas à Amazônia, mas à Mata Atlântica e a todos os recursos naturais que possui.
O Brasil tem o potencial de, nos próximos 20 a 30 anos, se tornar um líder mundial absoluto, não apenas em termos de política e liderança, mas de mercado.
Vocês não precisam se preocupar muito com energia a carvão ou a petróleo – mas seria bom vocês se livrarem disso.
Acho que a gestão de recursos naturais é o grande desafio para o Brasil.
O Brasil tem a possibilidade de se tornar o principal player na bioeconomia.
Isso significará reduzir e depois remover os combustíveis fósseis
O governo tende a querer a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.
Como vê isso?
Acho compreensível.
O Brasil precisa de energia e isso não vai mudar.
Há petróleo.
Há petróleo na costa do Brasil e na região amazônica.
É quase inevitável que governos conservadores busquem esse petróleo.
E acho que governos mais democráticos ou mais liberais também serão tentados a buscá-lo – muitos dos meus amigos ativistas radicais não gostariam que eu dissesse isso.
Mas, se eu olhar para o meu país, o Reino Unido, ainda temos empresas tentando explorar petróleo por fraturamento hidráulico.
Isso foi interrompido porque somos um país relativamente rico e, em certa medida, podemos nos dar ao luxo de investir em energia renovável.
Então, acho quase inevitável que o Brasil busque essas reservas de combustíveis fósseis.
Mas, se isso vai ser feito, é preciso aprender com o que há de melhor no mundo para garantir que os padrões sejam o mais altos possíveis, porque o ecossistema amazônico é sensível.
Em segundo lugar: parte dos lucros desse fluxo de combustíveis fósseis precisa ser investida na nova economia, na bioeconomia.
Eu preferiria que o petróleo permanecesse onde está, mas isso me parece um pouco improvável.
Mas acha que a exploração desse petróleo pode causar danos à imagem de um país que quer liderar em economia ‘verde’?
Isso não vai soar muito educado, mas a maioria das pessoas na Europa e na América do Norte tem pouca compreensão sobre o Brasil.
Portanto, a reputação global nem sempre é tão grande quanto os brasileiros podem imaginar.
Explorar esse petróleo não vai ajudar, mas o Brasil tem a possibilidade de se tornar o principal player na bioeconomia.
Isso, de qualquer modo, significará reduzir e depois remover os combustíveis fósseis ao longo do tempo.
Mas, por um tempo, provavelmente ainda teremos de usá-los e produzi-los.
Fonte: estadao
17/08/2025 20:52