As manifestações convocadas por apoiadores de Jair Bolsonaro no dia 3 passado revelaram, mais uma vez, a notável resiliência do populismo reacionário no Brasil.
Embora envolto em escândalos e acusado de liderar uma conspiração golpista, o ex-presidente segue mobilizando parcelas expressivas da opinião pública.
Compreender a capacidade de Bolsonaro de convocar multidões, mesmo submetido a tornozeleira eletrônica e em meio a uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), exige mais do que sarcasmo ou desprezo.
Exige inteligência.
Exige, sobretudo, que se investiguem as causas profundas da permanência desse movimento, que, a despeito de sua agenda antidemocrática, segue se retroalimentando de ressentimentos reais, abusos institucionais e frustrações legítimas.
🧠 Análise da Situação
A tragédia da república brasileira é que seus principais adversários se enxergam como encarnações do Bem.
Em nome da civilização contra a barbárie, justificam-se arbitrariedades.
Em nome da democracia, tolera-se a censura.
Em nome da justiça social, contorna-se a lei.
Em nome do combate ao autoritarismo, redobra-se o autoritarismo.
É esse ciclo de descomedimento, intransigência e pretensão ao monopólio da moral que alimenta, do lado oposto, o mesmo espelho deformado.
O Brasil segue refém de duas formas de radicalismo: uma grotesca, a outra presunçosa.
Ambas se enxergam como o lado certo da História.
Ambas agem como se estivessem acima da lei.
Jair Bolsonaro e seus filhos e aliados responderão, com razão, por tentativa de golpe de Estado e por mobilizar um governo estrangeiro contra instituições nacionais.
Os indícios reunidos evidenciam que o clã Bolsonaro cruzou linhas vermelhas.
Mas também é indisputável que o STF, notadamente por meio do ministro Alexandre de Moraes, cruzou inúmeras outras.
O Supremo transformou-se em ator político de primeira ordem, instituiu inquéritos sem objeto definido, decretou prisões preventivas abusivas, censurou jornalistas e age com tamanha ambivalência hermenêutica que a interpretação de suas próprias decisões passou a depender do humor de seus ministros.
O dedo do meio de Moraes no camarote de um estádio de futebol resume o ethos de um STF que confunde coragem com prepotência e mandou às favas a virtude da prudência.
Essa metamorfose da Corte em órgão de vanguarda, fiador do governo e promotor de causas identitárias não é indiferente à polarização política.
Ela a inflama.
Como também o faz a esquerda no poder, incapaz de aprender com os erros do passado.
O PT, em especial, nunca fez a autocrítica exigida por sua responsabilidade nos escândalos que solaparam a credibilidade do sistema político.
Sua resposta à oposição tem sido a de escorar-se no Supremo e apostar no discurso que opõe ricos e pobres.
Sua visão de mundo permanece calcificada numa moral binária, que reduz adversários e dissidentes a “fascistas” e inviabiliza esforços de conciliação.
Parte considerável das elites intelectuais também perdeu o senso de proporção.
A hegemonia progressista nas academias, redações e classe artística multiplica manifestações de escândalo moral contra críticos conservadores, mas é permissiva com os abusos cometidos por aliados.
Cultiva uma retórica de superioridade moral que transita entre o iluminismo autoproclamado e o escracho público.
Com isso, não apenas se aliena de amplas parcelas da população, como contribui para desmoralizar a indignação legítima, franqueando munição a quem sabe instrumentalizar ressentimentos.
Não se combate o populismo reacionário com populismo judicial ou messianismo progressista.
Nenhum excesso de um lado justifica os do outro.
A democracia exige o fim dos ciclos de vingança.
Um novo pacto institucional, fundado na responsabilidade recíproca, na pluralidade e no respeito à lei, é condição para restaurar a confiança dos cidadãos na República.
📊 Informação Complementar
O combate ao golpismo deve ser firme, mas também exemplar.
Não só na pena, mas na forma.
Porque é a forma, no fim das contas, que distingue a justiça da revanche.
Fonte: estadao
11/08/2025 08:58