“Não podia sujeitar o Brasil à interferência externa.” Quem disse a frase foi Ernesto Geisel, não Lula.
Embora num estilo germanicamente diferente do populismo desenfreado do atual presidente, é impossível não ver os pontos em comum.
Geisel conquistou algumas simpatias entre a esquerda ao romper o acordo militar com os Estados Unidos, em 1977, por exigências sobre direitos humanos.
📌 Pontos Principais
Essa memória histórica, tão diligentemente apagada por aqueles que só querem uma versão maniqueísta de acontecimentos complexos — as demandas americanas eram em benefício da esquerda perseguida na época —, insufla o dilema de uma das maiores minorias que existem hoje: a formada pelos que não aceitam a intervenção de Trump em desfavor da ordem institucional, sem contar os exportadores brasileiros, mas também não deixam de ver arbitrariedades nas decisões judiciais que perpassam todo o concernente a Jair Bolsonaro, a base dos argumentos do presidente americano para descer o porrete tarifário.
Na época de Geisel, havia um assunto maior do que os entreveros imediatos, o acordo nuclear do Brasil com a Alemanha.
Também os EUA queriam enquadrar quem saísse da linha, com uma atitude muito mais séria, como um programa nuclear alternativo, do que as tolices impensadas ou, pior ainda, deliberadamente propagadas, sobre a substituição do dólar como moeda de comércio.
💥 Como veja Afeta o Cotidiano
Qual a atitude moralmente correta diante do tsunami que está acontecendo nas relações com os EUA?
Para quem não quer ser sugado pelos dois extremos, é preciso enfrentar o desafio definido por F.
Scott Fitzgerald quando escreveu que “o teste para uma inteligência de primeira linha é a capacidade de ter duas ideias opostas na cabeça ao mesmo tempo”.
🌍 O Cenário Atual de veja
Para começar o teste, uma pergunta: o que é mais prejudicial para a sociedade brasileira, um presidente americano que decreta punições comerciais ou um Judiciário de ânimo censório, que age como uma instituição superior a todas as outras e proíbe as redes sociais de agirem como redes sociais?
O prejuízo cívico e moral é muito maior no segundo caso.
Não há professor universitário que mude isso.
Aliás, a eles, o desafio: “A medida cautelar de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, imposta a Lula inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros”.
O mundo viria abaixo, com razão, pela ordem de censura.
O fato de que o verdadeiro nome da frase acima seja o de Bolsonaro não pode transformar o repudiável em aceitável.
“Manter duas ideias opostas ao mesmo tempo não é para fracos, mesmo com os trovões de Trump ao fundo” Ápio Cláudio Cego (o último nome é um apodo autoexplicativo) foi um dos maiores eminentes censores da República romana, e quando estamos em Roma podemos percorrer uma de suas obras históricas, a Via Ápia.
Além da estrada e do aqueduto que também tem seu nome, legou uma frase que atravessou os milênios: Faber est suae quisque fortunae.
Cada um é artífice de seu destino.
O censor romano era um magistrado eleito não apenas encarregado de fazer o censo, mas responsável pela moralidade pública.
Quando o que passa a viger é a imoralidade pública, todos têm que erguer suas vozes, mesmo com a trilha sonora dos trovões trumpianos ao fundo.
Manter duas ideias opostas ao mesmo tempo não é para fracos.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955
Fonte: veja
04/08/2025 09:39