Desde setembro do ano passado, a dentista Maria Eugênia Ferreira Buta vive um drama angustiante: seu filho, o piloto Pedro Rodrigues Parente Neto, desapareceu após ser contratado para buscar uma aeronave em Goiás e levá-la à Venezuela.
Situação semelhante enfrenta o produtor musical Genildo Fonseca, que desde dezembro tenta localizar o filho, Raphael Alvarez Fonseca, contratado para um voo entre Goiânia e uma fazenda em Barra do Garças (MT).
Ambos os casos estão parados na burocracia e na indefinição sobre a responsabilidade das investigações.
A Polícia Federal disse que não era da competência deles.
A Polícia Civil também não.
É desesperador.
Ainda não tivemos uma resposta razoável sobre onde ele está“.
Desaparecimentos como esses têm se tornado frequentes na região de fronteira.
Um levantamento exclusivo da Record TV identificou 19 pilotos desaparecidos entre 2015 e 2025 em circunstâncias suspeitas.
Investigações apontam que o narcotráfico recruta profissionais para transportar cocaína de países vizinhos, Cooptados pelo Tráfico Na Operação Rota Caipira, a Polícia Federal do Tocantins identificou 16 pilotos que atuavam para uma organização criminosa envolvida no tráfico internacional de drogas.
O grupo usava um aeroclube em Araguaína como ponto de partida para voos que seguiam até a Bolívia, onde buscavam cocaína.
A droga era trazida de volta ao Brasil e descarregada em fazendas no Pará, Tocantins ou Maranhão.
De lá, seguia por terra até o Ceará ou Bahia, de onde era despachada de navio para a Europa.
Três pilotos desapareceram durante as operações.
Em um dos casos, a mãe do piloto Rodrigo Rodrigues de Souza, conhecido como “Shernobyl”, relatou à polícia que foi procurada por um homem que mostrou fotos de um corpo carbonizado e afirmou que seu filho havia morrido.
Segundo o delegado Allan Reis de Almeida, da PF em Araguaína, os voos eram feitos por pilotos inexperientes, em pistas curtas e precárias.
A investigação apontou ainda que as aeronaves eram adulteradas para carregar mais peso e voar longas distâncias, além de terem documentos falsificados e prefixos trocados para driblar a fiscalização da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e da polícia.
Indícios
O piloto Raphael Alvarez Fonseca desapareceu em 17 de dezembro de 2024, após ser contratado para buscar uma aeronave em Goiânia e levá-la até uma fazenda em Barra do Garças (MT).
Desde então, sua família tem feito apelos públicos e enfrentado a morosidade das investigações, que passaram por quatro delegacias até chegarem à Polícia Federal em Mato Grosso.
O caso segue sob sigilo.
Os indícios de ligação com o narcotráfico são fortes.
Antes do sumiço, Raphael esteve em Manaus, onde alegava trabalhar com voos turísticos.
No entanto, chegou a pousar por engano em Letícia, na Colômbia (cidade fronteiriça em rota conhecida do tráfico).
A aeronave que pilotava pertencia a um homem preso com 100 kg de cocaína meses antes, em operação da PM no Amazonas.
A viagem a Goiânia também levanta suspeitas.
A passagem foi paga por terceiros, em seis transferências feitas em sequência por nomes diferentes; uma tática comum de lavagem de dinheiro, segundo a PF.
Uma das pagadoras é ex-mulher de um piloto preso duas vezes por tráfico internacional.
Raphael buscou o avião em um hangar de empresa que já havia sido investigada na Operação Rota Caipira.
A empresa nega envolvimento com crimes, mas a PF afirma que há casos em que oficinas aeronáuticas “fazem vista grossa” para modificações ilegais em aviões usados pelo tráfico.
Afinal, quem é o dono da Aeronave?
Após o desaparecimento do piloto Raphael Alvarez Fonseca e da aeronave PT-SEL, um empresário de Goiânia registrou um boletim de ocorrência por apropriação indébita, alegando que o avião teria sido levado por um suposto comprador, dono de uma agropecuária no Pará.
No entanto, a aeronave segue registrada na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) em nome de uma empresa de aviação de Goiânia citada na Operação Rota Caipira.
Relatórios da PF mostram que essa empresa recebeu transferências do chefe da quadrilha investigada e repassou valores a um piloto.
📊 Informação Complementar
“Há um fluxo financeiro paralelo usado por empresas para pagar pilotos”, afirma o delegado.
Segundo a ANAC, a aeronave havia sido arrendada a um advogado de Trindade (GO), que alegou tê-la vendido a dois sócios, um deles, o empresário que fez a denúncia.
A sequência de vendas não formalizadas levanta suspeitas: se o avião era arrendado, como foi vendido?
E por que o empresário registrou que era dono?
Após a veiculação da reportagem no Domingo Espetacular, a empresa aérea solicitou à Polícia Federal que investigue tanto o advogado quanto o empresário.
Enquanto isso, o pai de Raphael, Genildo Fonseca, segue em busca de respostas.
Ele descobriu por conta própria que o último local de decolagem do filho foi o aeroporto de Poconé (MT), com destino à Bolívia.
“Meu sonho como pai, como cidadão, é que o Raphael volte em paz”, diz.
Venezuela
O piloto Pedro Rodrigues Parente Neto foi contratado por um empresário do interior de São Paulo para buscar a aeronave PP-ICO, um Bellanca, em Goiânia e levá-la até a Venezuela.
No dia 12 de agosto de 2024, ele decolou de um aeródromo em Goianira, cidade a 15 quilômetros de Goiânia.
Durante a viagem, fez várias paradas até chegar a Boa Vista, onde abasteceu e passou a noite em um hotel.
De lá, seguiu rumo a Caicara Del Orinoco, na Venezuela.
O último contato de Pedro com a família ocorreu em 1º de setembro, quando falou por telefone com a mãe, Maria Eugênia.
Sem notícias do filho desde então, ela começou a procurá-lo e se deparou com um labirinto de informações que parece ter sido criado para dificultar a identificação dos responsáveis.
Maria Eugênia inicialmente contatou o empresário Daniel Seabra, que afirmou ser o dono da aeronave, mas negou saber onde Pedro estava.
Segundo ele, a última notícia que tinha do piloto era que ele estava no sul da Bahia, informação que se revelou falsa.
A mãe, então, localizou o dono anterior do avião, Carlos Esquesário, empresário de Ribeirão Preto e vendedor da aeronave para Daniel Seabra.
“Conversamos com Carlos Alberto Esquesário, e ele nos disse que havia alguma informação errada, porque Pedro nunca esteve na Bahia.
Foi quando revelou que o piloto estaria na Venezuela”, conta Maria Eugênia.
Ela se deslocou até Boa Vista e procurou a Polícia Civil e a Polícia Federal.
A PF informou que não era de sua competência investigar o desaparecimento.
Já o inquérito aberto pela Polícia Civil não registra nenhuma diligência para identificar o hotel onde Pedro passou a noite do dia 14 de agosto de 2024, antes de seguir para a Venezuela.
A aeronave está oficialmente registrada em nome da Aprifruit, empresa de importação e exportação sediada em Ribeirão Preto.
Tivemos acesso a um contrato que comprova a venda da empresa proprietária da aeronave por Carlos Esquesário para a DSKG Holding, empresa de Daniel Seabra, por R$ 100 mil.
No mesmo contrato, consta a entrega de um apartamento em Ribeirão Preto, avaliado em R$ 1,4 milhão (imóvel registrado em nome de um homem preso em 2019 na Operação Shark Attack, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, acusado de coordenar esquema de lavagem de dinheiro para traficantes do Morro do Borel).
Procurados, Seabra e Esquesário não se manifestaram.
Em seis meses, o PP-ICO, que também desapareceu, passou por quatro proprietários.
Segundo dados da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), em janeiro de 2024, o avião estava registrado no nome da mesma pessoa que era proprietária da aeronave usada pelo piloto Raphael, também desaparecido em São Paulo.
No dia 20 de janeiro, a aeronave foi vendida para Rodrigo Stoco, dono de uma empresa com hangar no Aeródromo de Goiânia.
Stoco teve uma aeronave apreendida em 2 de fevereiro de 2023, durante a Operação Expansão, da Polícia Federal de Rondônia, que desarticulou uma rede internacional de tráfico de cocaína da Bolívia para o Brasil.
Ele alegou que o prefixo havia sido clonado e pediu a devolução do avião, mas a Justiça Federal negou o pedido.
Stoco também não quis comentar o caso.
Ele permaneceu pouco tempo com o PP-ICO, que foi vendido em 2 de julho de 2024 para o dono de uma corretora de seguros do interior paulista.
Três dias depois, a aeronave foi vendida para a Aprifruit, que no mesmo dia foi adquirida pela DSKG Holding, de Daniel Seabra.
Diante da ausência de respostas, Maria Eugênia recorreu à Interpol, que incluiu Pedro Rodrigues Parente Neto na lista de pessoas desaparecidas.
Ela lamenta a insensibilidade da Justiça e o jogo de empurra entre as polícias.
“Tenho esperança de encontrá-lo”, afirma a mãe do piloto.
Goiás
Goiás é um ponto em comum nas histórias dos pilotos Raphael e Pedro.
Mas não somente deles.
No nosso levantamento, encontramos seis casos de pilotos que decolaram de Goiás e desapareceram em circunstâncias similares.
Fomos até o Aeródromo de Goiânia.
O lugar, conhecido como “Escolinha”, possui forte esquema de segurança.
Fomos impedidos de entrar para tentar ver se alguém nos hangares das empresas citadas ou do próprio aeródromo se lembrava de ter visto algum dos desaparecidos.
Ou mesmo, se há alguma explicação para o desaparecimento de tantos pilotos que decolam de aeródromos de Goiás.
Um dos casos é o do piloto Bruce Lee Carvalho dos Santos.
Ele desapareceu em 2018.
A Polícia acabou descobrindo uma rede internacional de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Sete anos depois, Bruce Lee segue desaparecido.
Há a suspeita de que tenha caído em um lago na Bolívia.
“Não existe exatamente definições do como aconteceu, por que aconteceu e em que circunstâncias.
Ainda continua como mistério”, explica o advogado Cláudio Brandão, que trabalhou no caso para a família na época.
Nota da Global Parts A respeito da reportagem “Pilotos desaparecem ao voar em rotas usadas pelo tráfico de drogas”, veiculada em 1º de junho pelo programa Domingo Espetacular, a Global se solidariza com os familiares dos profissionais desaparecidos, repudia com veemência qualquer associação indevida aos casos investigados e afirma que não tem e nunca teve qualquer envolvimento com atividades ilícitas.
A menção à empresa na matéria é injustificada e incorreta.
A Global nunca foi proprietária, operadora ou responsável pela aeronave citada e não tem qualquer vínculo com seus donos ou pilotos.
O avião mencionado na reportagem foi apenas abrigado, por contrato de prestação de serviço de hangaragem, em estrutura administrada por terceiros, sem qualquer ingerência da empresa sobre operação e destino.
O serviço foi prestado regularmente e encerrado no momento em que a aeronave foi retirada do local, após ser vendida pelos então proprietários.
Todas as atividades da empresa são conduzidas dentro dos parâmetros legais e regulatórios e com absoluta responsabilidade comercial.
A Global mantém compromisso inegociável com a legalidade e a segurança jurídica de suas operações.
A empresa permanece à disposição das autoridades para prestar informações eventualmente necessárias sobre a sua atuação.
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Fonte: r7
03/07/2025 07:12